O Supremo Tribunal Federal tem um dilema de grandes consequências no julgamento de duas ações que questionam a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14).
Como alerta o advogado, professor e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, ITS-Rio, Carlos Affonso Souza, o STF tenta mirar nas redes sociais, mas a discussão aponta para um impacto muito mais amplo no ecossistema digital como um todo.
“A decisão nas duas ações que discutem responsabilidade civil vai se aplicar sobre um ecossistema muito mais ampliado do que rede social. E esse é um desafio que o Supremo vai ter que lidar na costura da tese desse voto. Os ministros parecem muito focados em redes sociais, mas o artigo 19 do Marco Civil da Internet fala em provedores de aplicações. E provedores de aplicações dizem respeito a toda e qualquer funcionalidade que possa ser acessada na rede”, diz ele.
Até aqui, o Supremo tem três votos – Luiz Fux e José Dias Toffoli entendem que o artigo 19 é inconstitucional e propõem um regime de responsabilidade objetiva dos provedores de aplicações. Luis Roberto Barroso considerou apenas parcialmente inconstitucional, por entender que há casos em que a remoção de conteúdo deva se dar somente após ordem judicial.
Mas como apontado por Carlos Affonso Souza durante seminário sobre o tema promovido pelo Comitê Gestor da Internet nesta terça, 18/3, tanto os votos já proferidos como aqueles apenas sinalizados pela Suprema Corte são muito amplos nas considerações.
“Existe uma discussão de como redes sociais são marcadas por anúncios, conteúdos impulsionados e algoritmo de recomendação de conteúdo. Incluir o algoritmo que vai recomendar conteúdo para todos que estão numa plataforma é delicado. Porque a internet é, hoje, personalizada, customizada. Recomendação de conteúdos faz parte das mais distintas plataformas, não só de redes sociais. A gente pode olhar para os marketplaces e até o Waze, que recomenda um caminho no trânsito. Portanto, algoritmos de recomendação não deveriam fazer parte de uma discussão que atrai um certo regime de responsabilidade para redes sociais.”
Ou seja, nem tudo é rede social e o artigo 19 é muito mais amplo. Tanto assim que o CGI.br está propondo uma tipologia que divide os provedores de aplicações em três tipos. Carlos Affonso reforça esse ponto ao lembrar que os julgamentos tratam originalmente de perfis no Facebook e no finado Orkut.
“A decisão do Supremo não é apenas ligada a redes sociais, mas deveria olhar para o ecossistema ampliado. E como modular essa decisão entendendo que diferentes atores prestam diferentes serviços com diferentes funcionalidades, é uma das grandes missões que o Supremo vai ter que se desvencilhar. Ações que tratam de Orkut e Facebook, redes sociais, ganharam cara de regulação de plataformas digitais, de um ecossistema mais amplo. E esse vai ser o grande dilema pela frente.”