
A inteligência artificial já se tornou a tecnologia de adoção mais rápida da história. Em menos de três anos, mais de 1,2 bilhão de pessoas utilizaram ferramentas de IA, superando a velocidade de difusão da internet, do computador pessoal e do smartphone. Mas, segundo um novo estudo da Microsoft, esse avanço acontece de forma desigual: o uso da tecnologia no Norte Global é o dobro do registrado no Sul Global, tendência que pode definir quem colhe os benefícios da IA nas próximas décadas.
O relatório aponta que a IA segue o mesmo padrão de difusão de tecnologias estruturantes anteriores, como eletricidade e computação: ela só se consolida quando três grupos avançam juntos — os Frontier Builders (que criam os modelos e fazem a pesquisa de ponta), os Infrastructure Builders (que constroem data centers, redes e ferramentas), e os usuários (que adaptam a tecnologia para resolver problemas reais). Como no caso da eletricidade, não basta inventar a lâmpada; é preciso construir a rede e formar usuários.
A IA depende de bases como eletricidade, conectividade, computação e habilidades digitais. Metade da população mundial — cerca de 4 bilhões de pessoas — ainda carece de ao menos um desses pré-requisitos. Em regiões com maior infraestrutura tecnológica e renda, a adoção cresce rapidamente: Emirados Árabes Unidos, Singapura, Noruega e Irlanda já apresentam mais de 50% da população em idade ativa usando IA. Em partes da África Subsaariana e do Sudeste Asiático, esse índice é inferior a 10%.
Segundo o estudo, o Brasil aparece na 60ª posição em um ranking de 164 nações, com uma taxa de difusão de 15,6%. Ou seja, que essa é a extensão na qual a inteligência artificial é adotada e utilizada em diferentes setores e população. O estudo reconhece que a tentativa de medir essa difusão não é simples e aponta avanços ao analisar telemetria agregada e anonimizada de mais de um bilhão de dispositivos Windows para estimar a prevalência de atividades relacionadas à IA em diferentes regiões, agregando dados de terceiros para compensar informações sobre dispositivos que não usam Windows.
A Microsoft reconhece, ainda, diferentes dificuldades para a difusão. Uma das barreiras é o idioma. Modelos de IA são muito mais precisos em inglês e outras línguas com abundância de conteúdo digital. Já países onde predominam línguas com baixa presença na internet, como Malawi e Laos, registram taxas de adoção mais baixas mesmo quando têm acesso à internet. O volume de conteúdo disponível para IA em línguas africanas, indígenas e sul-asiáticas é, em muitos casos, centenas de vezes menor do que em idiomas europeus.
Outra concentração diz respeito ao poder computacional: Estados Unidos e China hospedam 86% da capacidade global de data centers para IA. Esses dois países também lideram o desenvolvimento de modelos de ponta. Contudo, a distância entre os primeiros colocados e outros países está diminuindo: Israel, hoje em sétimo lugar, está a menos de um ano da fronteira tecnológica, o que indica aceleração inédita na difusão do conhecimento de IA.
O estudo destaca que o valor da IA não será medido pela quantidade de modelos produzidos, mas pela extensão dos seus benefícios sociais. Para isso, aponta lições históricas: a transformação econômica da Coreia do Sul, que apostou na adoção e adaptação de semicondutores durante os anos 1970, mostra que países podem ganhar escala mesmo sem liderar a invenção.
A mensagem central é direta: a próxima década não será definida por quem constrói a IA, mas por quem consegue usá-la. A difusão — e não apenas a inovação — determinará quais países avançam e quais ficam para trás. Sem políticas de infraestrutura digital, capacitação e inclusão linguística, a IA corre o risco de ampliar desigualdades, em vez de reduzi-las.





