Brasil ganha primeiro projeto privado de OpenRAN 5G
Um exemplo de como redes privativas de 5G podem ser aplicadas na área da saúde foi lançado, nesta quinta-feira (15/09), pelo Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e pelo InovaHC. Batizado de OpenCare 5G, o projeto, fruto de parceria público-privada, é coordenado pela Deloitte e tem a participação do Itaú Unibanco, Siemens Healthineers, NEC, Telecom Infra Project (TIP), Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
O OpenCare 5G foi construído com base em rede privada de acesso de rádio aberto — Open RAN, tecnologia aberta, desagregada e que tem a intenção de acelerar a implantação do 5G a custos mais baixos do que o modelo tradicional utilizado na indústria de telecomunicações. O projeto piloto criou uma simulação de atendimento remoto para imagens de ultrassom.
Dentro das dependências do Hospital das Clínicas foram instaladas duas antenas 5G em ambientes distintos. Seguindo o conceito de Open RAN, parte da solução está hospedada no ambiente do Hospital das Clínicas e o controle da rede no datacenter do Itaú Unibanco. Em uma das salas são utilizados equipamentos de ultrassom e de tomografia e, em outra sala, ocorre a coordenação remota da execução dos exames.
Assim, o equipamento de ultrassom pode ser operado por um técnico no local, enquanto um médico analisa a distância, em outro local, as imagens em tempo real e faz o laudo. A expectativa é que a solução possa ser adotada em localidades remotas, democratizando o acesso à saúde. Esse também é um passo anterior à cirurgia operada a distância, uma promessa que se escuta desde o surgimento do 5G.
A baixa latência, no caso do ultrassom, é requisitada, mas é um fator não crucial, como ocorre para o caso de cirurgias. Por isso, as taxas de latência (atraso na transmissão dos dados de uma ponta a outra) em torno de 20 milissegundos em banda acima de 300 Mbps foi satisfatório para os profissionais envolvidos. Estes resultados só eram possíveis anteriormente em redes cabeadas. Latências maiores acarretariam perda de sincronismo entre quem coordena e quem executa a atividade médica, impedindo uma comunicação efetiva. O projeto usou a frequência provada de 3,5 Ghz.
O ultrassom a distância foi escolhido entre cerca de 50 casos que tinham potencial de usar 5G. “Vislumbramos possibilidades de uso de 5G no HC, porque é um hospital-escola e para o qual poderíamos trazer vários parceiros. Então, conduzimos sessão com médicos para entender casos de uso em potencial para 5G na saúde. Chegamos a 50 casos, em um trabalho conjunto entre Deloitte e Hospital das Clínicas. E escolhemos o caso do ultrassom, porque fazia mais sentido e precisa de uma latência relativa, além de ter impacto alto na sociedade. O ultrassom é transformacional e entendemos que este caso pode inspirar outras indústrias”, justificou Marcia Ogawa, líder para as áreas de tecnologia e telecomunicações da Deloitte, em conversa com jornalistas ao término do evento.
O mapeamento dos possíveis casos de uso ocorreu antes do leilão 5G. “O que estamos testando agora é a parte privada, entendendo quais são os benefícios. A primeira ideia era testar a tecnologia e ver se servia; e vimos que sim. Agora vamos levar o caso para o remoto, criando sites e fazendo a experiência mais próxima da realidade. O terceiro passo é expandir”, acrescentou Roberto Murakami, CTO para América Latina da NEC. A expectativa dos participantes é fechar com alguma cidade do interior de São Paulo — e há conversas com Itapeva — e depois levar a solução para regiões menos densamente povoadas.
Esse projeto, salientou Augusto Dantas Nellessen, superintendente de TI do Itaú, é um passo seguinte à iniciativa Todos para Saúde, na qual o maior problema enfrentado foi o de conexão com as UBS. “Esse é uma continuação do Todos pela Saúde, que usava inteligência artificial para identificar se pulmão tinha Covid-19 ou não. Agora é um avanço, provendo acesso a exame com uma pessoa não tão qualificada na ponta fazendo o procedimento simples e alguém qualificado na outra ponta analisando as imagens, mas sem IA; a inteligência está no médico que faz o laudo”, explicou.
O piloto foi financiado pelas empresas participantes, cada uma entrando com mão de obra e equipamentos. Para sair “da prancheta” e estar em funcionamento, virando produto em operação, são necessários recursos financeiros, conforme explicou Marcia Ogawa, da Deloitte, acrescentando que há conversas com o BID e outros entes. Neste momento, não há mais necessidade de custos para desenvolvimento, apenas para expansão do projeto.
Regulamentação
A pandemia da Covid-19 derrubou algumas barreiras da medicina e abriu espaço para inovações como a teleconsulta. E, ainda que a realização de ultrassom de forma remota não esteja prevista em lei, o professor doutor Giovanni Guido Cerri, presidente do conselho do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e presidente da comissão de Inovação do HCFMUSP, disse que isso não deve ser uma barreira. “A tecnologia vem para melhorar o acesso e diminuir a desigualdade ao paciente”, salientou.
Segundo ele, o papel do HCFMUSP no projeto não é de comercializar a solução, mas, sim, testar novas tecnologias e mostrar que funcionam. Ele defendeu que a aplicação mais imediata de 5G será na saúde digital, desde o monitoramento de pacientes a distância e teleconsultas à capacitação de mão de obra médica, aumentando o número de profissionais qualificados por meio de treinamentos remotos com simulações que reproduzam a realidade.
“A próxima área será a teleconsulta. Ainda em muitas regiões, o sinal de internet não é adequado e a teleconsulta tem comunicação difícil com paciente, o que será beneficiado com sinal 5G. E o OpenCare pode evoluir o sistema de teleconsulta, porque temos de ter solução alternativa para onde não chegar sinal das operadoras e projetos caminham de forma paralela”, acrescentou.
Durante sua fala no debate que explicou o projeto, Giovanni Guido Cerri ressaltou que o OpenCare 5G é um projeto transformador e importante; e disse que, apesar do desastre em termos de saúde pública que foi a pandemia, houve aceleração de algumas verticais, como o atendimento remoto.
“O HC encarou projeto de saúde digital, que se consolidou também com um piloto na região amazônica, onde demonstramos como a saúde digital é eficaz, como a população aprecia e como é possível levar saúde à população remota. Mas falta conectividade mais rápida e eficiente e o 5G vem completar este processo de transformação, porque conectividade rápida representa um aumento da confiabilidade para os pacientes e rapidez dos exames chegando ao clínico, o que impacta todas as comunicações. Por isso, o 5G é tão importante”, destacou. Cerri também salientou que é preciso melhorar o acesso à saúde, reduzir as desigualdades e trabalhar a questão do custo. “A saúde digital com 5G pode contribuir para uma redução de custo”, disse.
Outro exemplo
Também falando no evento, Cristiano Blanez dos Santos, líder de inovação da NEC no Brasil, apresentou o sistema optimize que usa inteligência artificial para fazer triagem ocular. “É um exemplo interessante de levar a tecnologia para atender em lugares remotos, porque a ferramenta ajuda a identificar a condição em estágio inicial retinopatia por meio do diabetic retinopathy screening”, disse. A retinopatia diabética é uma complicação ocular resultante da diabetes. Segundo ele, com um equipamento portátil é possível atender à população de maneira remota, mas sem substituir o profissional.