ANPD entra na briga com Anatel para fiscalizar Lei das Fake News
O Projeto de Lei 2630/20, mais conhecido como PL das Fake News, disparou uma curiosa competição em Brasília sobre quem terá poder para fiscalizar e aplicar multas às plataformas digitais que desrespeitarem as regras. Com bom trânsito no Congresso Nacional, a Anatel saiu na frente nessa corrida. Mas na reta final, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados aparece como alternativa.
A Anatel tem usado alguns trunfos para se posicionar como favorita. E dois deles são fortes: um corpo técnico muito qualificado e o fato de já existir de fato e de direito, com orçamento e estrutura espalhada pelo país. Um terceiro fator é a capacidade de articulação de seu presidente, Carlos Baigorri, que nas últimas semanas não perde oportunidade para defender a agência como a mais preparada para assumir o posto de entidade autônoma de fiscalização.
“A Anatel é o órgão mais adequado para fazer isso na estrutura burocrática do Estado brasileiro. Ninguém vai criar uma Verdadebrás, onde um conjunto de burocratas vai dizer o que é discurso de ódio, o que é desinformação. É muito mais uma lógica de exigir politicas de moderação, de relatórios que devem ser publicados. E isso é algo que, com bastante facilidade e presteza, conseguiríamos colocar de forma operacional e funcionando no dia seguinte que a Lei for sancionada. A gente não precisa constituir um quadro de servidores, constituir sistemas, constituir uma personalidade jurídica. Tudo isso já está operacional e funcionando, com ,mais de 750 fiscais espalhados pelas 27 capitais brasileiras”, defende Baigorri.
Longe de possuir a mesma visibilidade e capacidade de articulação, eis que surge a Autoridade Nacional de Proteção de Dados tentando abrir espaço no debate do momento. E o fez a partir da publicação de um documento no qual propõe uma análise técnica sobre os pontos do PL 2630/20 que se sobrepõem a responsabilidades que já são da ANPD por força da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei 13.709/18), também costurada pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB/SP), que já se tornou referência na capacidade de encontrar consensos em temas espinhosos.
A análise é feita a partir do alerta de que várias atribuições previstas para a entidade autônoma de supervisão das plataformas digitais já existem na ANPD. Tratam-se de diferentes artigos no PL 2630/20 que tratam de consentimento, perfilamento, decisões automatizadas, proteção de dados de crianças e adolescentes, acesso a dados para pesquisa ou avaliação de riscos sistêmicos.
“Os dispositivos mencionados estabelecem regras sobre proteção de dados pessoais, atribuindo competências de regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções à ‘entidade autônoma de supervisão’, o que suscita potenciais conflitos com as competências legais da ANPD previstas na LGPD”, aponta a Autoridade.
Diz ainda que “nos termos da LGPD, a aplicação das sanções referente à proteção de dados pessoais compete exclusivamente à ANPD, e suas competências prevalecerão, no que se refere à proteção de dados pessoais, sobre as competências correlatas de outras entidades ou órgãos da administração pública. A eventual criação de um novo órgão regulador ou a atribuição de competências a outra entidade pública teria por efeito gerar uma fragmentação regulatória e uma sobreposição de competências com a ANPD”.
Como a criação dessa entidade fiscalizadora se mostrou o pomo da discórdia no PL 2630/20, o relator Orlando Silva (PCdoB/SP) apresentou um novo texto que retira tal órgão da proposta. “O sentimento na Câmara é que o texto com essa entidade autônoma de supervisão não passa”, disse Silva. Mas permanece o entendimento de que “há que se ter quem possa aplicar sanções, se forem necessárias”. Daí que as costuras até a votação tendem a se concentrar em encontrar o locus ideal para assumir tais funções. A opção seria deixar as querelas que naturalmente surgirão à cargo do Judiciário.