Dados não podem ficar concentrados nas mãos de poucos atores globais
A ética dos dados se tornou um dos temas mais importantes da era contemporânea. Atualmente, falar de privacidade e gestão dos dados pessoais deixou de ser acerca de individualidades e passou a ser estratégico do ponto de vista de tecnologia e do que nós esperamos do nosso sistema económico.
O tema foi abordado por Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), durante palestra no IX Seminário de Proteção à Privacidade e os Dados Pessoais, realizado nesta semana em semana pelo CGI.br e NIC.br. “Falar de dados pessoais envolve falar de inteligência artificial e esta é a razão pela qual a privacidade e a proteção a dados pessoais são assuntos que vão além da nossa individualidade e que ganharam uma dimensão coletiva nova que nos colocam diante de desafios inéditos sob ângulo político, econômico e social”, ressaltou.
Na opinião de Abramovay, estão em jogo dois valores fundamentais: o da livre concorrência e a democracia. “Não queremos, como cidadãos, uma sociedade que suprima livre concorrência. A maneira como dados têm sido gerados e tratados tem sido obstáculo à livre concorrência”, destacou.
A explicação é que as barreiras de entrada à formação de novos negócios foram reduzidas na era digital e hoje os dados encontram-se muito concentrados. “O poder de quem tem o comando sobre os dados de dar as regras da concorrência cresceu a tal ponto que se tornou uma ameaça à própria economia de mercado. Temos um problema sério de concentração de dados, que está contribuindo para inibir o empreendedorismo, se tornando uma barreira de entrada e bloqueando a inovação.”
Com relação à democracia, Abramovay avaliou que é necessário que os indivíduos tenham controle aos seus dados e que seja avaliado o impacto na vida cívica de como os dados são coletados, geridos, tratados e devolvido à sociedade. “A privacidade se tornou um problema de natureza pública que vai além dos direitos individuais. Novos direitos e desafios emergem”, disse, ressaltando que a dignidade humana tem de ser tratada como valor fundamental e essencial.
Uma das críticas é com relação aos limites do uso de inteligência artificial para reconhecimento facial. “Temos de ter cuidado com as cidades inteligentes. Claro que queremos que as cidades sejam conectadas, mas queremos cidadãos inteligentes e não sociedade de vigilância.”
Abramovay afirmou que a internet tem de ser protegida e aberta e que os dados devem circular e não ficar concentrados em poucos atores globais. “A ética é a disciplina que estuda a finalidade da atividade humana, por que estamos fazendo algo, para que queremos dados e inteligência artificial e com qual finalidade”, questionou. Para ele, o principal é fomentar a discussão sobre propósitos da coleta de dados. “Não queremos uma sociedade de vigilância, queremos uma cidade segura, ter informações sobre transporte e saúde, mas que a capacidade de perfilhamento não nos prejudique.”
A ética dos dados é uma das bases que a ciência dos dados vai funcionar e ela vai exigir que capacidade de demonstrar por que a coleta dos dados útil e quais são os riscos de eles serem manejados.