Herança digital: Sem legislação, Justiça diverge sobre o tema no Brasil
Desde a origem da internet, a sociedade tem se deparado com o crescente surgimento de novas repercussões em diversas áreas do direito. Isto porque a internet possibilitou um mundo repleto de novidades, criando formas de comunicação e de interação entre pessoas de todo o mundo. Com o passar dos anos, a maioria esmagadora das pessoas passou a utilizar as redes sociais como uma forma de comunicação e divulgação pessoal, mantendo uma vida virtual que, inclusive, gera efeitos patrimoniais, pois existem pessoas que obtém sua renda única e exclusivamente da sua influência digital, reunindo em suas redes sociais milhões de pessoas que consomem o conteúdo produzido.
As implicações decorrentes da intensa utilização das redes sociais geram grandes debates quanto às repercussões jurídicas dessas novas formas de comunicação, principalmente quando há o falecimento do titular da rede social. Afinal, o que acontece com aquela página? Existem direitos sucessórios quanto a utilização daquele meio de comunicação? O que se tem observado é a criação de um verdadeiro patrimônio digital, sendo compreendido dentro deste patrimônio todo aquele conteúdo disponibilizado pelas pessoas em suas redes sociais.
O fatídico acidente que veio a ocasionar a morte do apresentador Gugu Liberato no fim de novembro de 2019 é um exemplo atualíssimo da importância de haver regulamentação da herança digital. O apresentador de TV, desde que sofreu acidente doméstico na Flórida, teve um crescimento de 55,7% no número de seguidores do seu Instagram, conforme levantamento realizado pela UOL.
Esta fatalidade reanimou os debates ao redor do tema sucessório, existindo diversas polêmicas acerca dos destinos dos ativos digitais de falecidos, principalmente porque o acesso integral ao conteúdo privado das redes sociais por familiares poderia violar direitos inerentes à personalidade do falecido, tais como a honra, a privacidade e a imagem.
Noutro giro, é inegável o valor econômico de redes sociais com grandes quantidades de seguidores, já que existem celebridades com contas que possuem milhões de pessoas que consomem não somente o conteúdo produzido pela pessoa, mas também os produtos anunciados por marcas na plataforma e divulgados pelas próprias celebridades digitais. Apesar de ser um tema vasto e polêmico, a herança digital ainda não possui regulamentação no Brasil.
Algumas redes sociais, como o Facebook, por iniciativa própria, disponibilizam uma ferramenta digital que possibilita ao usuário a indicação de uma pessoa que será responsável pela administração da página após o seu falecimento. Caso a pessoa não tenha realizado esta indicação em vida, é possível o envio de um formulário de solicitação de memorial, havendo um formulário especial para membro direto da família, viabilizando este último, inclusive, a exclusão da página. O intuito de estabelecer alguma destinação àquela página virtual.
Quanto a isso, é inerente a necessidade de criação de uma legislação específica que estabeleça critérios de utilização dessas plataformas digitais pelos herdeiros, no sentido de preservar a memória da pessoa falecida e de determinar os meios de exploração econômica daquela página virtual, estipulando critérios para herança e possibilidades de disposição sobre este patrimônio pelo próprio titular – via testamentária, por exemplo.
Atualmente, em razão da carência legislativa, existem decisões judiciais divergentes sobre o tema, variando de acordo com o entendimento manifestado dos julgadores. Alguns negam o acesso as redes sociais à família por inexistência de previsão testamentária, enquanto outros decidem pela concessão do acesso, por entenderem que o direito à herança e a repercussão patrimonial das redes sociais devem se sobrepor aos direitos individuais do falecido.
Há também aqueles que defendem a exclusão das redes sociais do finado, que equivaleria a um “falecimento digital” daquela pessoa, já que hoje pode-se falar da existência de um mundo virtual e de um mundo real, estabelecendo-se, com isso, uma coerência lógica entre estes dois universos. Assim, verifica-se a importância de criação de uma legislação que venha a abordar essa nova forma sucessória, estabelecendo critérios que viabilizem o respeito à memória da pessoa falecida e dos direitos hereditários dos familiares, tendo sempre por base os princípios constitucionais.
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/12/02/aumento-de-seguidores-de-gugu-reacende-debate-sobre-heranca-digital.htm
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/12/02/aumento-de-seguidores-de-gugu-reacende-debate-sobre-heranca-digital.htm
https://marcelobarca.jusbrasil.com.br/artigos/121944063/protecao-post-mortem-envolvendo-os-direitos-da-personalidade
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI304718,61044-Heranca+digital
https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI316129,101048-Especialista+aborda+heranca+digital+apos+falecimento+de+Gugu
*Ana Flavia Matos é Advogada do MLA – Miranda Lima Advogados