De volta ao Ministério das Comunicações
A pasta das Comunicações, pela sua importância estratégica, principalmente em um momento de transformação digital das nações, requer atenção máxima por parte das autoridades de plantão. Assim, cabe às novas autoridades ministeriais se debruçarem no que precisa fazer, antes tarde que mais tarde.
Ao iniciar este artigo, faço uma breve descrição cronológica dos fatos e atos que tratam das Comunicações no Brasil, com a finalidade de destacar a sua importância estratégica para um país com dimensão territorial quase que continental, sem querer esgotar o tema.
A primeira regulação a tratar de Comunicações foi editada pelo Decreto 20.047/1931, complementado pelo Decreto 21.111/1932. Os referidos decretos abordavam alguns aspectos importantes, como a qualificação do serviço de radiodifusão como “serviço de interesse nacional e finalidade educativa”. Essa finalidade foi alterada parcialmente a partir da introdução do caráter “publicitário” dos serviços, o que propiciou o seu desenvolvimento.
A radiodifusão ganhou estatuto constitucional a partir de 1934, quando se atribuiu à União competência para explorar ou conceder os serviços. A livre manifestação do pensamento já estava assegurada e a propriedade de empresas jornalísticas, noticiosas ou políticas era proibida a sociedades anônimas por ações ao portador, a estrangeiros e a sociedades anônimas que tivessem por acionistas estrangeiros ou outras pessoas jurídicas.
A Constituição de 1946 voltou a assegurar a liberdade de expressão, enquanto se mantiveram praticamente inalteradas as regras pertinentes à competência para explorar os serviços e à propriedade de empresas. Em 1961, foi criado o Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel), que, todavia, só foi instalado em 1963.
Deu-se então a edição do Código Brasileiro de Telecomunicações, instituído pela Lei 4.117/1962, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei 236/1967, que, até o momento, é o diploma regulatório da radiodifusão. O Código trouxe integração aos serviços de telefonia e disposições sobre o relacionamento entre as concessionárias e permissionárias de radiodifusão e o Poder Público.
A Constituição de 1967, por sua vez, manteve as regras de competência legislativa e para exploração dos serviços. A garantia de liberdade de expressão foi ampliada, atingindo também as convicções filosóficas e políticas. A multiplicidade de operadores, em ambiente competitivo, a disputa pela audiência e a sobrevivência no mercado foram buscadas a partir da edição do Código Brasileiro de Telecomunicações.
A criação do Ministério das Comunicações, pelo Decreto-lei 200/1967, centralizou as competências anteriormente atribuídas ao Contel, no que respeita à orientação política e fixação de diretrizes para os setores de telecomunicações e de radiodifusão.
A Emenda Constitucional (EC nº 8/1995) à Constituição Federal de 1988, ao alterar o inciso XI e a alínea “a” do inciso XII do artigo 21, permitiu flexibilidade ao modelo de telecomunicações, ao eliminar a exclusividade da concessão para a exploração dos serviços de telefonia, até então atribuída às empresas estatais, e introduzindo, no setor, o regime de competição. Em continuidade ao processo foi editada a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/1997), que introduziu alteração no modelo de telecomunicações.
A participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão, constante da Constituição de 1988, foi alterada pela EC nº 36/2002, e disciplinada pela Lei 10.610/2002. Os serviços de radiodifusão no Brasil possuem essencialidades que os distinguem dos serviços de telecomunicações a que alude o artigo 21, inciso XI, da Constituição de 1988. Nessa conformidade, o Congresso Nacional ao promulgar, em 1995, a EC nº 8 estabeleceu a distinção conceitual entre os serviços de radiodifusão e de telecomunicações, ressaltando essa dicotomia quando dispôs sobre os serviços de telecomunicações sob a égide de um órgão regulador, mantendo, na esfera de competência da Administração Direta, os serviços de radiodifusão.
Pois bem, feita a regressão, destaco o passado mais recente. Em 2016, foi criado o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), resultado da fusão do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com o Ministério das Comunicações (MC), que passou à condição de extinto. Na ocasião da criação do MCTIC, escrevi (Convergência Digital, coluna Opinião, em 06/06/2016) que a fusão era mais coerente da que ocorreu em 1990, quando foram reunidos no Ministério da Infraestrutura, os ministérios das Comunicações, Transportes, e Minas e Energia (depois recriados). Naquele tempo, os serviços eram menos problemáticos que os das outras áreas reunidas, o que fez o setor de comunicações merecer menos atenção das autoridades de plantão da época.
De volta ao futuro, em 2020, é recriado o Ministério das Comunicações. Então, digo que a medida é, outra vez, coerente em relação àquelas que ocorreram em 1990 e 2016, quando importantíssimos ministérios foram fundidos, pois, no momento, as difíceis atribuições relativas às áreas de ciência, tecnologia e inovações estavam a exigir mais atenção do que a área de comunicações. Enquanto isso, muitas decisões não vinham sendo ultimadas. Tais como, regulamentar a Lei 13.879/2019 (oriunda do PLC79/2016), que reformou a Lei 9.472/1997 (LGT), para definir o que fazer com os bens vinculados às concessões de telefonia fixa e como renovar as frequências de telefonia celular. Descontextualizar o viés arrecadatório do leilão da tecnologia chamada de 5G. Tratar do fundo de universalização dos serviços de telecomunicações. Decidir sobre o saldo do processo de digitalização da TV aberta, de forma a permitir a digitalização de milhares de retransmissores analógicos pelo interior do País. E, também, tratar das renovações de outorgas de radiodifusão.
Precisam, também, os senhores responsáveis pelo setor de Comunicações, serem conscientes que o papel das telecomunicações é essencial para refletir sobre o quanto há que fazer para o Brasil ser digital, pois a conectividade ainda não está disponível para todos os brasileiros.
*Juarez Quadros do Nascimento é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.