Opinião

Uma escolha de Sofia no leilão de 5G

Os dois filhos, objeto de uma dramática escolha que Sofia deveria fazer, em alusão ao premiado filme “A Escolha de Sofia”, parecem ser, no caso presente, o que os EUA e China representam diante o embate geopolítico no ecossistema de fornecedores de tecnologia de telecomunicações, no qual o Brasil teria que decidir sobre a necessidade, ou não, de uma política setorial definida pelo Poder Executivo (leia-se: presidente da República, auxiliado por ministros de Estado), cujas diretrizes seriam implementadas pela Anatel no edital da tecnologia de quinta geração (5G), impondo restrições às nacionalidades de fabricantes que forneceriam a tecnologia a ser adotada nas redes de telecomunicações do Brasil.

A expressão “escolha de Sofia” exteriorizaria a situação do Brasil, compelido pela pressão das duas maiores economias mundiais, em, eventualmente, ter que tomar uma difícil, complexa e dramática decisão para o setor de telecomunicações, com um potencial conflito aos valiosos negócios brasileiros no Exterior. O Brasil investiu anos seguidos para que a China se tornasse a principal parceira comercial e a mais importante importadora de commodities agrícolas e minerais, a representar 34% das exportações brasileiras.

Assim, a China é o principal destino das mercadorias brasileiras no comércio internacional. Já os EUA, a superpotência mundial, aparece em segundo lugar, seguido de Argentina, Holanda e Chile. Com a Alemanha, Espanha, México, Japão e Índia complementando os 10 países para os quais o Brasil mais tem exportado, conforme dados do Ministério da Economia. Com o PIB crescendo abaixo de 1%, o Brasil não pode se dar ao rigor de desprezar parceiros de comércio exterior.

A situação requer uma profunda e circunstanciada análise estratégica, quanto à razoabilidade, objetividade, oportunidade e conveniência dos critérios que seriam adotados para a dificílima e complexa decisão. Em um país democrático, como o Brasil, sem essa análise estratégica, não daria para arriscar em dispor, comercial e tecnologicamente, de “uma cortina de ferro ou uma grande muralha” para restringir fornecedores no mercado de telecomunicações.

Em função do delicado momento econômico mundial, provocado pela pandemia que nos assola, os processos de alocação de espectro devem sofrer atrasos e nenhuma nova rede seria lançada até a situação normalizar. Contando com esse contratempo, que se criem salvaguardas de proteção aos interesses nacionais, pois, com a economia mundial completamente desconhecida, a única certeza do momento é que a crise é gravíssima e o resto é duvidoso. Portanto, os governantes das nações democráticas têm que ser realistas, contudo, com otimismo, resiliência, diligência e inteligência.


Com as salvaguardas, os fornecedores seriam obrigados a cumprir todos os protocolos de segurança locais e globais, o que garantiria segurança de que nada que a indústria (seja chinesa, sueca, finlandesa ou outras) entrega põe em risco os consumidores do País. A questão da segurança envolve encontrar uma arquitetura que elimine riscos. Trata-se de obrigação dos reguladores e regulados, pois lacunas na segurança podem afetar setores críticos, que precisam de absoluta proteção.

Diversos têm sido os fabricantes de equipamentos centrais de telecomunicações pelo mundo (onde se insere o Brasil) e com sede em diferentes países, como: Lucent, Motorola e Standard Electric (EUA); Nortel (Canadá); Alcatel (França); Marconi (Itália); Philips (Holanda); Siemens (Alemanha); NEC (Japão); SID, Elebra, Promon, Batik e Zetax (Brasil); Nokia (Finlândia); Ericsson (Suécia); Huawei e ZTE (China). Entretanto, com a globalização (que não está morta, mas profundamente abalada), vários fabricantes encerraram, ou reduziram, atividades e alguns passaram por processos de fusões ou aquisições. Hoje, com escala global no “core” de redes de telecomunicações, concorrem a vender no mercado mundial: Nokia, Ericsson, Huawei e ZTE.

Quem compra? Não é o governo que compra. As operadoras de telecomunicações, inteiramente privadas, é que compram os equipamentos, mas também as outorgas, e montam suas redes. No Brasil, essas operadoras estrategicamente sempre compram, pelo menos, de dois fabricantes e, assim, a interferência estatal na escolha de fornecedores poderia encarecer e atrasar o advento da tecnologia. Um ambiente de ampla competição faz com que haja maior desenvolvimento da tecnologia e quanto mais competidores houver entre os fabricantes, menor o preço praticado.

Havendo dispositivos legais, com políticas definidas, a Anatel as implementa (como determina a Lei que a criou). Um dos casos concretos foi o ocorrido na licitação para a tecnologia de 4G (Edital 2/2014-SOR/SPR/CD), no qual a Anatel dispôs (item 10.9) que a Autorizada deveria cumprir os compromissos de aquisição de produto de tecnologia nacional, conforme descrição no Anexo II-C do Edital.

No referido Anexo, estava disposto (item 1) que a Proponente vencedora deveria cumprir as metas mínimas de compromisso de aquisição de bens, produtos, equipamentos e sistemas de telecomunicações e de redes de dados com tecnologia nacional, a considerar regulamentação específica sobre a forma de verificação, acompanhamento, acreditação e definições quanto à tecnologia desenvolvida no país, dentre outros dispositivos, e diplomas legais, em especial o Processo Produtivo Básico (PPB), disciplinado por meio das Leis 8.248/1991 ou 8.387/1991, e a Portaria 950/2006, do Ministério da Ciência e Tecnologia, e suas alterações, durante a vigência da Autorização do Uso de Radiofrequência objeto do Edital.

Legalmente, qualquer edital de licitação para o setor de telecomunicações é de competência da Anatel (LGT, art. 8º, 9º e 19) e, se tivesse que inovar, o Poder Executivo, com base legal, deveria determinar diretrizes, mediante uma política pública setorial, até então inexistente, para restringir fornecedores no mercado de 5G. Sem isso, o Ministério das Comunicações não teria como dispor à Anatel, que tampouco teria condições, para estabelecer restrições técnico-comerciais que atendessem ao embate geopolítico em questão, pois ausentes estão leis, decretos e portarias ministeriais complementares que regulamentem qualquer lei nesse sentido.

(*) O autor é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

Botão Voltar ao topo