Opinião

Indústria nacional pede um plano urgente de desenvolvimento

No início desse ano, havia um certo otimismo na Manufatura brasileira. O segmento tinha uma expectativa de retomada da indústria nacional, com projeções de novos investimentos em tecnologias de transformação digital e uma previsão de importantes projetos para a modernização do setor. Era um cenário de aquecimento com retomada gradual. Em meio a esse clima positivo surgiu, no entanto, uma grande reviravolta global. A pandemia causada pela COVID-19 afetou imediatamente todos os segmentos e as formas de consumo, criando um momento único na história da economia no mundo.

Nas primeiras semanas foi perceptível uma importante desaceleração que também atingiu o setor manufatureiro no Brasil. O cenário, antes positivo, acendeu um sinal amarelo e que foi se agravando por causa das dificuldades da cadeia de suprimentos e da imprevisibilidade da retomada da economia. A crise tem gerado muitas incertezas, mas também tem mostrado que as empresas mais digitalizadas e mais modernas tecnologicamente puderam reagir com maior agilidade. Por este motivo, mesmo com uma queda no curto-prazo, é esperado um forte aumento no investimento em tecnologia na retomada pós-pandemia, com foco na digitalização de processos, automação da produção e gestão dos dados.

A digitalização da indústria promove um aumento exponencial no volume de dados gerado ao longo de uma cadeia produtiva, impulsionando soluções de Cloud Computing, Analytics e Inteligência Artificial. Além disso, a crise impulsionou a busca da indústria por soluções de mobilidade, automação da força de vendas (CRM) e e-commerce, que corroboram para alavancar as aplicações em nuvem.

Vale destacar também que a crise vai remodelar importantes relações geopolíticas, econômicas e sociais. Cadeias globais de suprimentos tendem a sofrer forte impacto, já no curto e médio prazo. A mudança da bipolaridade atual – EUA & China – será catalisada por esse novo contexto, no qual as cadeias locais serão valorizadas e a diversificação passará a ser ainda mais essencial.

Situações de dependência exclusiva de uma única nação para determinado insumo devem reduzir e novas rotas de prosperidade devem surgir. O movimento de “reshoring”, ou seja, transição das cadeias globais para a cadeias locais deve acontecer em velocidades diferentes de acordo com cada setor da economia e sua dependência de tecnologias importadas.


Além deste movimento, a necessidade de diversificação de fornecedores e consumidores ganhou ainda mais força, pois empresas que dependiam de um único fornecedor ou cliente e sofreram rupturas neste elo foram fortemente impactadas, chegando a interromper suas operações nos casos mais graves.

Desde os anos 1980 até os dias atuais houve uma forte queda na participação da indústria de transformação no PIB brasileiro, com um impacto ainda mais severo nos setores de maior intensidade tecnológica. O Brasil, apesar do status de uma das maiores economias do mundo, contribui apenas 0,6% das exportações industriais do mundo, o que evidencia uma grande oportunidade ainda não explorada pela indústria nacional.

Importar insumos para a indústria de transformação, não necessariamente acarreta impactos negativos, pois podem contribuir fortemente para um crescimento na produtividade e no aumento da competitividade da manufatura nacional. Por outro lado, isso pode afetar os produtores de insumos locais e limitar o desenvolvimento tecnológico de um país. Aumentando a dependência de insumos estrangeiros e focando apenas nos processos de montagem, os empregos gerados são para trabalhos mais simples e com menores salários; além de resultar em produtos com baixo valor adicionado.

Na recente carta “Indústria brasileira e sua dependência de insumos importados”, publicada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial – IEDI, elaborada a partir de estudo de Paulo Morceiro (USP), verificou-se que o Coeficiente Importado de Insumos e Componentes Comercializáveis (CIICC) é uma métrica importante para entender a dinâmica das cadeias produtivas de um país, além de impactar diretamente no indicador econômico TiVA (trade in value added), que indica quanto cada país adiciona de valor nos produtos e serviços finais exportados por outros países.

Nos produtos de média e alta tecnologia, o Brasil é o país que mais importa insumos para a produção entre 15 países. Em 2018, o coeficiente de importação na indústria de maior intensidade tecnológica chegou a 41,4%, mostrando forte dependência internacional nestas indústrias, além de forte exposição à flutuação cambial e baixo desenvolvimento tecnológico nacional. Estes dados deixam evidente a carência da indústria nacional para a produção de vários componentes tecnológicos chave.

De acordo com os estudos sobre a situação atual da indústria brasileira notamos que é necessário um grande movimento para melhorar a produtividade tecnológica, pois oportunidades na retomada da economia vão surgir, mas boa parcela da indústria nacional ainda não está preparada para se aproveitar desse movimento. As manufaturas brasileiras terão de passar por uma rápida digitalização para serem mais ágeis e integradas e conseguirem performar bem no novo contexto que está emergindo.

Por fim, algumas fragilidades na indústria nacional são evidentes, instabilidade cambial, falta de infraestrutura e mão de obra qualificada são alguns dos exemplos. É cada vez mais urgente um plano de desenvolvimento para a indústria nacional, visando sua digitalização, ganho de produtividade, redução do “Custo Brasil”, disponibilidade de financiamentos sustentáveis de longo prazo e um alto desenvolvimento em capacitação da mão de obra. Um grande esforço é necessário para que as indústrias do Brasil cresçam, creio que o primeiro passo está na tecnologia que contratamos para digitalizar os processos dentro de casa, talvez assim, incentivamos a digitalização e evolução do setor.

*Angela Gheller é diretora de manufatura, logística e agroindústria da TOTVS
 

 

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