Opinião

A concorrência e a operação Oi/TIM, Telefônica e Claro

De acordo com recentes notícias referentes à alienação dos ativos relacionados ao Serviço Móvel Pessoal (“SMP”) da Oi, as empresas Tim, Telefônica e Claro (“TTC”) teriam formado consórcio com o intuito de, conjuntamente, adquirir os ativos e, posteriormente, dividi-los entre as consorciadas (“Consórcio”). O Consórcio teria firmado, em 7 de agosto de 2020, acordo de exclusividade para negociar a venda da rede móvel com a Oi, tendo oferecido R$ 16,5 bilhões pela rede móvel da operadora. Tanto o Consórcio em si quanto a aquisição que pretende realizar ensejam riscos concorrenciais não desprezíveis.

Na prática, o Consórcio significa que as partes podem avançar em detalhes a respeito dos termos financeiros e operacionais da oferta sobre a rede móvel, que deverá ser adquirida em leilão até o início de 2021. De partida, portanto, cabe observar que a formação do Consórcio pode constituir hipótese de notificação obrigatória ao CADE, nos termos do art. 90, inciso IV da Lei 12.529/2011.  Além disso, a constituição do Consórcio impacta o processo de disputa pelos ativos da Oi, dado que Tim, Claro e Vivo participam da concorrência de maneira unificada.

Notícias dão conta de que o modelo de leilão dos ativos escolhido pela Oi envolve direitos de preferência em favor do consórcio TTC, conhecido na literatura comercial como stalking horse. É possível que nesse acordo de preferência tenham sido impostas condições que representem fechamento de mercado para outras interessadas em participar do leilão.  Sem autorização prévia da autoridade da concorrência, a própria estratégia de fatiamento do mercado – que envolve, além dos ativos móveis, a carteira de clientes da Oi –  pelas três líderes do setor poderia configurar hipótese de conduta coordenada entre concorrentes, na forma de divisão de mercado.

Para além dessas relevantes questões relacionadas à formação do Consórcio, importa para o presente artigo, sobretudo, notar que a finalidade do referido consórcio desperta preocupações concorrenciais que já começam a ser aventadas na imprensa e em canais especializados. Trata-se do arranjo que pretende “fatiamento” dos ativos da Oi, com sua aquisição conjunta pelos três maiores players do mercado. A próxima seção examina alguns dos diversos riscos concorrenciais decorrentes dessa proposta.

Riscos concorrenciais da aquisição da Oi pela TTC 


Oi, TIM, Telefônica e Claro representam, atualmente, cerca de 90% do mercado nacional de SMP, de modo que a aquisição dos ativos da Oi por qualquer um dos TTC levaria não só à eliminação de um ator relevante, mas também à elevação dos níveis de concentração em um mercado já oligopolizado. Se aprovada na forma como pretendida pelas partes, a operação tende ainda a agravar dois problemas concorrenciais fundamentais neste mercado: o risco de exercício de poder coordenado entre os agentes remanescentes e o incremento das já elevadas barreiras à entrada. Também tende a prejudicar futuros leilões de espectro de radiofrequência pela Anatel, como o leilão de 5G.

Segundo notícias veiculadas, o fatiamento pensado pelo Consórcio para os ativos da Oi será desenhado de modo a garantir que o teto espectral de 30% a 40% imposto pela regulação da Anatel seja respeitado, e que a empresa com menor share no mercado relevante local receba uma fatia maior dos ativos da Oi naquele mercado. Isso invariavelmente resultará em redução da distância das participações de mercado entre as três empresas. A literatura antitruste há muito já identificou que, em uma estrutura oligopolista e com elementos facilitadores de coordenação, a maior simetria entre os agentes amplia a probabilidade de exercício coordenado de poder de mercado. Em um ambiente com menos players, é mais fácil identificar os movimentos de adversários, monitorar comportamentos e traçar estratégias de reação para punir concorrentes que tentem romper com pacto implícito de não agressão.

O elemento facilitador da coordenação no presente caso é o alto grau de integração e compartilhamento de redes entre as principais operadoras de SMP, que vem evoluindo e se intensificando nos últimos anos, já havendo acordos de compartilhamento de infraestrutura entre praticamente todas as grandes operadoras e, mais especificamente, de RAN Sharing entre Tim e Oi e entre Tim e Telefônica. Independentemente dos ganhos de eficiência trazidos pelo compartilhamento de redes, é inegável que tal arranjo cria diversas frentes de interação entre concorrentes, homogeneíza custos e reduz os incentivos para que compitam em qualidade (maior cobertura e velocidade de acesso).

Tal fato é muito claro para a autoridade da concorrência e para as próprias companhias. Quando terceira interessada na operação de RAN Sharing da Telefônica/TIM, a Claro se manifestou alegando que, com a consolidação das redes de infraestrutura, “as Requerentes também deixarão de concorrer e passarão a, juntas, exercer pressão competitiva perante terceiros, alavancando a (i) coordenação de reações; e (ii) sua capacidade conjunta de retaliação a terceiros”. No mesmo processo, o CADE expressa sua preocupação com o efeito que a redução de players tem sobre a capacidade de coordenação no mercado de SMP:

“De fato, como bem observou a Claro, eventuais concentrações serão analisadas em foro próprio e avaliadas em seus possíveis efeitos. A esse respeito, cabe ressaltar que esta SG mantém o entendimento exarado na análise do Ato de Concentração em que a Claro adquiriu a Nextel, de que a redução do número de players no mercado de SMP aumenta consideravelmente a preocupação quanto ao aumento da possibilidade de atuação coordenada entre eles, demandando um extremo cuidado da autoridade.” (Parecer da Superintendência-Geral)

O poder coordenado entre as grandes incumbentes poderia, em tese, ser mitigado pela ameaça de entrada de um novo player no mercado. Entrar nesse setor, no entanto, já é quase uma “missão impossível”, devido aos volumosos investimentos irrecuperáveis, a uma escala mínima viável extremamente elevada e à necessidade de acesso a espectro de radiofrequência para prestação do serviço. Não por acaso, nenhum novo agente surgiu nesse mercado nas últimas décadas, embora tenha havido notórias saídas, inclusive a atual saída da Oi. A operação de fatiamento, conforme anunciada, encerra qualquer perspectiva de entrada, pois além de aumentar a escala mínima viável para verdadeiramente competir com as incumbentes, reduz a disponibilidade de espectro de radiofrequência para potenciais rivais.

Assim como os slots no setor de aviação civil, a radiofrequência é um recurso limitado e imprescindível à prestação do serviço, e por isso deve ser alocado pela autoridade competente com extrema cautela, mirando a preservação de um ambiente competitivo sadio. Também como no caso da recuperação judicial da Avianca, não são os ativos físicos que realmente importam aos compradores interessados no espólio: o verdadeiro bem em disputa são os direitos de acesso ao mercado (slots naquele caso, radiofrequência neste).  Inclusive, no caso dos slots, o CADE foi bastante perspicaz ao identificar com antecedência o impacto concorrencial que se avizinhava e a ANAC, firme no respeito às suas próprias normas regulatórias que impediam um mercado secundário de slots. O problema aqui é praticamente idêntico: em uma indústria de rede com quatro players, a recuperação judicial de um deles é acompanhada pela tentativa dos demais incumbentes de fechar o acesso de novos concorrentes pagando pelos escassos ativos necessários à prestação do serviço. 

O CADE já reconheceu em casos passados que a indisponibilidade de faixas de frequência em diferentes espectros, diante da sua natureza finita, representa uma forte barreira à entrada no mercado de SMP. A preocupação também foi expressa oficialmente pela própria TIM, ao afirmar que empresas com maiores parcelas de radiofrequência possuem grande vantagem competitiva, tendo em vista que quanto maior a parcela do espectro detida, menor será o investimento necessário em infraestrutura. Assim, os operadores com menores espectros terão dificuldade para concorrer, como destacado pela TIM no caso mencionado:

“[D]iante da limitação do recurso escasso e dos aspectos técnicos atrelados (por exemplo, níveis de interferência), por mais que fosse possível a instalação indiscriminada de estações, desta ampliação de estrutura física não resultariam níveis de capacidade/qualidade comparáveis ao competidor detentor de uma maior quantidade de espectro disponível para utilização.”

Por fim, outro fator de preocupação será a extensão do impacto negativo no futuro leilão da Anatel que visa à disponibilização de parcelas do espectro de radiofrequência para a prestação de serviços de telecomunicações, inclusive por meio de redes ditas de quinta geração (5G), em áreas de abrangência regional ou nacional. Isso porque a efetiva participação de novos e de pequenos players no mercado de telefonia móvel mostra-se desde já inviabilizada caso o Consórcio adquira os ativos da Oi e gere ainda mais concentração.

Medidas necessárias para um ambiente competitivo

Em razão do exposto, há inúmeros elementos que demonstram que a operação pretendida pelo Consórcio apresenta elevados riscos de natureza concorrencial. Tais riscos podem causar prejuízos a diversos stakeholders envolvidos, incluindo acionistas e credores e, sobretudo, aos consumidores no mercado de telecomunicações brasileiro. Qualquer que seja o fatiamento pretendido, a operação dificilmente passaria incólume pelo CADE.

Deve-se atentar, portanto, para a necessidade de medidas que possam viabilizar a aquisição da rede móvel da Oi, garantindo a preservação de um ambiente competitivo e a posição dos credores da companhia. Há que se considerar estruturas alternativas que tenham por objetivo endereçar tais riscos e prevenir a inviabilização da operação e da própria atuação da Oi, ou mesmo evitar uma resposta demasiadamente tardia aos seus desafios financeiros. Medidas como a aquisição por grupo não pertencente ao consórcio TTC ou a participação efetiva dos pequenos players no leilão, com parte do espectro sendo adquirida por players regionais, são formas existentes e totalmente factíveis de endereçar previamente problemas concorrenciais não triviais.

*José Del Chiaro (Sócio-fundador da Advocacia José Del Chiaro e ex-Secretário de Direito Econômico)

*Luiz Felipe Rosa Ramos (Doutor em Direito pela USP, Fox Alumni pela Universidade Yale e sócio da Advocacia José Del Chiaro)

*João Paulo de Resende (PhD em economia pela UFRJ e ex-Conselheiro do CADE)

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