Opinião

5G:A guerra de narrativas e o interesse público

Com a aproximação do leilão de 5G, que deverá ocorrer ainda no primeiro semestre de 2021, as discussões sobre o tema seguem uma polarização perigosa. De um lado, trata-se de uma tecnologia altamente disruptiva que vai proporcionar conexões cem vezes mais rápidas que o 4G e tem potencial para revolucionar diversos segmento econômicos, com impacto direto na vida dos cidadãos a partir da viabilização de tecnologias como carros autônomos, realidade virtual, cirurgias remotas e outras. De outro lado, há uma discussão que engloba tanto questões comerciais, quanto políticas e geopolíticas.

Uma miríade de variáveis complexas e de difícil contorno. Enquanto a chinesa Huawei anda a passos largos para dominar uma fatia grande da tecnologia 5G no mundo, os Estados Unidos exercem a sua influência diplomática e política em outros países para boicotar a chinesa por suspeitas de espionagem. A suspeita, naturalmente, causa receio de que os países aderentes à tecnologia chinesa estariam renunciando a sua soberania e a devida proteção de informações estratégicas. Como ainda não há provas concretas de tais suspeitas, os debates ocorrem ainda de maneira especulativa e contaminam o processo decisório.

Longe de ser apenas uma discussão sobre proteção de dados, a discussão sobre tecnologia 5G expõe uma questão antiga: debates ideológicos sobrepõem discussões técnicas. A guerra de narrativas entre Estados Unidos e China deixa o Brasil em uma situação de vulnerabilidade complexa, já que são dois dos nossos maiores parceiros comerciais. O governo brasileiro, até o momento, endossa a tese dos Estados Unidos de que o partido comunista chinês esteja usando uma empresa privada para espionar outras nações. No entanto, ao excluir uma das principais empresas do setor, é possível que a implementação da rede fique mais cara, o que resultará em preços mais caros do serviço para o usuário final.

Não é a primeira vez que disputas de narrativas influenciam a capacidade de tomar decisões técnicas. Nesse sentido, cabe aos órgãos técnicos – e o papel da Anatel nesse ponto é importantíssimo – dar o tom da discussão, para além das questões políticas, visando a melhor decisão com base em dados e com o foco no amplo interesse público. Isso porque, enquanto as discussões permanecem na seara política, tiramos o foco do que realmente importa, que é o potencial da tecnologia de promover enormes ganhos econômicos e sociais.

Como pano de fundo deste debate, foi editada em março pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) a Instrução Normativa nº 4 que traz requisitos mínimos de Segurança Cibernética a serem adotados no estabelecimento das redes 5G. As regras ali estabelecidas exigem redundância de fornecedores e das redes em uma mesma área. A pergunta óbvia é: como se dará o atendimento das áreas remotas, ou menos atrativas? Caberia compartilhamento de infraestruturas ativas de um único fornecedor nessas áreas? Estas e outras questões fundamentais para o desenvolvimento da tecnologia estão sendo deixadas em segundo plano.


Não é desejável que, para além das dificuldades já presentes no País, tomemos decisões sem o devido respeito à tecnicidade e complexidade do setor de telecomunicações. Evidentemente, caso haja alguma prova concreta de que a implementação da nova tecnologia por uma empresa (qualquer que seja) coloque em xeque a segurança de dados e, portanto, a soberania de uma Nação, é preciso que se recue. Do contrário, o interesse público e o desenvolvimento tecnológico do País devem ser priorizados, com o devido respeito à natureza essencialmente técnica exigida pelo tema.

*Alessandra Lugato é diretora executiva da ABRINT- Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações

 

Botão Voltar ao topo