Opinião

O que o Brasil vai fazer com a privacidade alheia?

Dez entre dez prognósticos das consultorias sobre tendências das redes de negócio para 2021 têm como tônica – previsível – as consequências e desdobramentos da grande evacuação de escritórios e da cultura do “novo normal”, impostos pela Covid-19. É o que se pode ver, por exemplo, nos famosos relatórios “Forrester Pedictions”, “Mckinsey The Next Normal” e “Gartner Top ’10 Predictions“, que neste início de 2021 vieram com uma consonância raramente manifestada.  

Como não poderia ser diferente, esses conjuntos de prognósticos valem perfeitamente pra o Brasil. Mas o nosso cenário local está contaminado por dois fenômenos específicos que aguçam certos aspectos verificados mundo a fora. O primeiro deles foi a entrada pra valer da LGPD. O que já seria em si problemático coincidiu dramaticamente com o boom de trabalho remoto e com a explosão do e-commerce em todas as camadas do varejo. O segundo elemento, e talvez mais dissonante, se deve ao pro-ativismo do Banco Central que, sem se intimidar com a conjuntura, manteve, e até acelerou, o   calendário do Open Banking

Levando-se em conta estes fatos, a equipe de inovação da Flexdoc realizou um esforço de grupo para isolar as principais tendências para as plataformas de negócio em alguns setores centrais.

Bancos Incumbentes, Fintechs, Bantechs, xTechs

A transformação digital dos bancos confirmará seu aprofundamento ao longo de 2021, fortalecendo a tendência de adotarem a personalidade “bantech”. Ou seja, uma aproximação mais estreita, na forma de operar, dos bancos tradicionais com o modelo de plataforma trazido pelas cerca de 800 startups financeiras em operação no país.


Outra aposta do time é haver um entrosamento maior entre bancos, fintechs e varejo, através de plataformas de inteligência artificial voltadas para o interesse comum desses setores. Aliás, muitos negócios varejistas já interagem com serviços digitais do setor financeiro para funções como a auditoria de clientes, identificação de oportunidades e aplicação algoritmos de risco de crédito. É neste cenário que também que se enquadra a rápida adesão das PMEs de varejo e serviço à plataforma de pagamentos PIX, lançada em novembro.

Vale esclarecer que a diferença central entre as fintechs puras e as bantechs está na infraestrutura, composição de portfólio e estratégia de negócios. De outro lado, a confluência entre os modelos está em empregar inteligência analítica com vistas à melhor experiência do cliente.Ligadas aos bancos tradicionais, as bantechs, são plataformas  “espertas”, egressas das fintechs digitais puras.

Camadas sobre camadas, elas vão sendo absorvidas nas grandes estruturas legadas e fechadas dos bancos incumbentes para garantir agilidade, atratividade e engajamento do usuário. Do ponto de vista do negócio, o grande diferencial entre ambas é que as fintechs são, em geral, startups verticais, focadas em um segmento único (como microcrédito, seguros ou factoring digital). As bantechs, por sua vez, abrangem partes crescentes do enorme portfolio dos bancos, que vai da conta corrente a investimentos, custódia de cheques, câmbio, consórcio e outras dezenas de produtos financeiros.

Em movimentação simultânea, avançam também as Govtechs, em áreas como previdência, gestão municipal, e macrogestão dos negócios públicos. Aí, igualmente se reproduz a lógica de uma face xTech, trazida por “novatos espertos” (vulgo disruptores), com um correspondente movimento entrópico exercido pela força de atração das gigantescas estruturas legadas dos órgão governamentais. Lawtecs (voltadas à automação de compliance e de negócios jurídicos), Insurtechs, voltadas pra o lado de seguros, HRTechs (com foco em gestão de pessoal) e uma infinidade de buzzwords dessa nova formada replicam os fatores de repulsa, atração e influência entre o tradicional e o novo, aqui já descrito em relação ao setor bancário financeiro.  

Checagem multifator, biometria e prevenção à fraude

Os prognósticos da equipe mencionam a disseminação das plataformas inteligentes de captura de documentos, validação reconhecimento, auditoria, aprovação e execução de transações remotas de dados clientes. Uma tendência que se estende ao relacionamento das empresas com trabalhadores internos ou terceirizados em praticamente todas as áreas.Ferramentas e metodologias como checagem biométrica, verificação multifator e confrontação de registros de usuários com plataformas de dados de retaguarda vão deixando de ser soluções alternativas e começam a se integrar como commodities funcionais das plataformas de negócio.

A prevenção e combate a fraudes passa a incluir soluções de prova de vida (por exemplo, exigindo que o usuário pisque um dos olhos na hora de autenticar um acesso online através do envio de sua selfie). Ao lado disto, os sistemas antifraude já mobilizam o cruzamento de recursos como a localização GPS, o histórico de navegação, a reputação de crédito do indivíduo e o perfil de atributos do usuário para a avaliação de seu acesso a serviços ou dados da plataforma.

Onboarding Digital para quase tudo  

O modelo de onboarding digital, que cristaliza boa parte destas funções, com base no smartphone ou em transações omnichannel, está se posicionando como um padrão de referência no embarque para todos os tipos de negócios. Em 2021, esta tecnologia se espalhará, não só nas grandes empresas, mas inclusive na arena das PME. Isto porque já estão sendo gestados os provedores economicamente acessíveis que passarão a ofertar o onboarding como serviço.

Processos incômodos na validação de clientes e operações hoje são responsáveis por cerca de 40% das perdas de negócios em andamento nas plataformas digitais ou físicas. Assim, reduzir o atrito burocrático e melhorar a experiência do cliente se tornou uma exigência para todos os negócios. Este foco na decisão de retaguarda descomplicada e na entrega de uma jornada sem fricção é a principal lição que as fintechs estão disseminando no mercado, e é o que impulsiona o onboarding digital.

A LGPD e o calendário do Open Banking

A influência do setor financeiro como locomotiva da digitalização dos negócios irá se aprofundar em 2021, à medida que o Banco Central for concluindo as etapas do calendário do Open Banking. Já no primeiro semestre, as bantechs e os novos agentes financeiros, como os varejistas híbridos, previstos pelo Open Banking, iniciarão o compartilhamento de dados cadastrais de clientes que desejarem receber diferentes opções de produtos de crédito, investimento, seguros, garantia estendida, câmbio e afins.

Todos os setores envolvidos precisarão de inteligência para atender a estes requisitos sem incorrer nos grandes riscos jurídicos impostos pela LGPD. Além de integrar as aplicações de atendimento com as retaguardas de dados e recursos operacionais, a empresas precisarão de estratégia para gerir complexas regras de permissão e gestão de dados de terceiros. 

*Carlos Flávio de Souza é diretor de tecnologia e inovação da Flexdoc, com sede em Brasília, DF. Através de sua plataforma de processamento por imagem, a Flexdoc extrai, captura, valida e executa 200 milhões de cheques e documentos para bancos, governos, seguradoras, universidades, varejo e serviços.

 

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