Opinião

A descentralização econômica e os provedores de Internet

Em curso há anos, a migração de pessoas das metrópoles para regiões menos adensadas, como o interior, foi severamente acelerada pela pandemia, em particular por conta desdobramentos resultantes da generalização do home office. No Brasil, esse movimento terá grandes reflexos na descentralização do desenvolvimento econômico. A certeza desta afirmação deve-se à chegada a essas localidades de pessoas que levam consigo uma força motriz da economia, a demanda, a qual, para ser satisfeita nos dias atuais, passará pelo uso das tecnologias disponíveis. A oferta de conectividade fora dos grandes centros, que tem sido satisfeita por provedores regionais de Internet, tende a levar estas empresas a um novo patamar de expansão.

Conforme o IPEA, 46% das empresas adotaram o teletrabalho a partir da pandemia e, mesmo que surja uma cura e a Covid deixe de ser razão para se evitar aglomerações, boa parte das empresas, diante da redução de custos com a manutenção de pontos físicos não voltará ao modelo anterior. Estudo da consultoria Cushman & Wakefield junto a 122 executivos de multinacionais que atuam no Brasil aponta que 73,8% de suas companhias têm intenção de tornar o teletrabalho permanente. Já outro levantamento, realizado pela FEA-USP junto a 1,3 mil pessoas de elevado poder aquisitivo registrou a preferência pelo home office junto a 70% dos entrevistados.

Ao poder trabalhar de qualquer lugar e sem a necessidade de deslocamentos diários para o exercício de suas atividades, cresceu significativamente a busca por imóveis em cidades que ficam num raio de até 100 quilômetros das capitais, como constava o site Imóvel Web que, como 90% de seus usuários na região metropolitana de São Paulo, registrava, em junho último, um crescimento de 100% nas buscas por cidades como São José dos Campos, Bragança Paulista e Sorocaba.

Esse êxodo urbano já estava em curso. Dados do IBGE de 2018 apontavam que o crescimento de cidades com populações de 100 mil a 1 milhão foi 50% superior na última década ao das capitais. Ocorre que, a partir da pandemia, houve uma aceleração do movimento, em particular, entre pessoas de maior poder aquisitivo.

A preferência deste público recai sobre cidades que dispõem de boa infraestrutura, de escolas a restaurantes e comércio que, a partir da chegada de mais clientes, tende a se multiplicar, diversificar e sofisticar para satisfazer um novo e crescente público. Esse movimento se refletirá na geração de oportunidades de emprego que acabarão por levar pessoas de outras classes sociais a essas localidades. Tudo isso passará necessariamente pelo aumento da demanda por conexões de Internet.


É neste contexto que a já significativa importância dos provedores regionais de Internet atinge um novo patamar. Atuando fora dos grandes centros, onde as grandes operadoras permanecem ausentes, os prestadores de pequeno porte tornaram-se responsáveis por 35% dos acessos de banda larga via fibra ótica do país e, desde 2019, registram, conforme a Anatel, uma expansão de 30% ao ano, a qual tende a se tornar ainda mais expressiva.

Nesse cenário, os ISPs ficam submetidos a um novo patamar de exigência por parte de seus consumidores o que, quando a oferta não for adequada, pode resultar na na perda de clientes para a concorrência ou denúncias junto à Anatel e demais órgãos reguladores, quando do descumprimento das regras.

Geralmente criadas por um empreendedor de perfil eminentemente técnico, os prestadores de pequeno porte sofrem, não raramente, com uma administração pouco profissional. Além da formação de seus executivos, atividades como prestação de informações à agência reguladora, como a declaração mensal do DICI (antigo SICI) e outras prestações de contas obrigatórias, como FUST, SATVA e SGQ, dentre outros, situam-se distantes do cotidiano da prestação de serviços que, nos últimos anos e ainda mais nos últimos meses, torna-se mais intensa.

A observância às obrigações regulatórias específicas para o segmento já demandava a contratação de assessorias especializadas. O novo quadro torna essas parcerias ainda mais importantes. O mesmo se aplica quanto à  gestão. Não raramente, gestores de ISPs, a fim de buscarem alguma redução de custos, optam por sistemas genéricos. Esses, embora capazes de gerir algumas variáveis da administração da empresa, não atendem às demandas específicas envolvidas na prestação de serviços de telecomunicações.

Ao garantir o acesso à banda larga fora dos grandes centros, os provedores regionais de Internet prestaram, nos últimos anos, um serviço essencial na democratização do acesso à web. A partir de agora, as localidades por ela atendidas vivem a possibilidade de experimentar um relevante desenvolvimento econômico. Juntamente com essa responsabilidade, os ISPs passam a ser mais exigidos por um novo tipo de cliente, o que redobrará a atenção daqueles que regulam suas atividades. A expansão do segmento exige a adoção de novos patamares de profissionalismo.

(*) Fabio Vianna Coelho é sócio da VianaTel e da RadiusNet, empresas especializadas, respectivamente, em regularização e software de gestão para provedores de Internet

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