Opinião

Covid 19, plataformas digitais e a desinformação online no Brasil

Não é possível iniciar esse artigo sem deixar de enfatizar que o Brasil enfrenta o momento mais trágico da pandemia da Covid 19 desde o seu início em 2020. Com todos os desdobramentos políticos negativos e baixas sociais, a circulação de ‘fake news’ sobre a eficácia das vacinas parece não dar trégua.

Além da péssima imagem do Brasil internacionalmente, a irresponsabilidade do Executivo federal quanto à ausência de políticas efetivas de cobertura vacinal pavimenta o terreno para novas ondas de desinformação na internet. O arsenal informacional digital, entre negacionistas, falsos profetas e extremistas, tem sido mais potente para fortificar o que eu chamaria de “resíduos de descrédito” sobre os perigos da Covid 19 e pressiona novas intervenções por parte das plataformas em modelos de governança de conteúdo. 

Diante do grave cenário brasileiro nas últimas semanas, plataformas e redes sociais reforçaram a adoção de medidas quanto à circulação de conteúdo desinformativo e prejudicial à saúde pública, revertendo-o também para o posicionamento estratégico de ilhas informativas sobre a Covid19. Em maio de 2020, uma pesquisa da Avaaz apontava que sete em cada dez usuários brasileiros acreditavam em ao menos uma notícia falsa a respeito do coronavírus.

Segundo o mesmo estudo, 5 a 6 em cada 10 usuários tinham contato com ‘fake news’ sobre Covid19 minimizando a gravidade da doença. Nesse sentido, vale ilustrar os exemplos trazidos pelas plataformas no quadro de enfrentamento da Covid19 nos últimos meses. São vários os episódios envolvendo produção e disseminação de desinformação online e riscos à segurança digital, humanitária e sanitária que ultrapassam qualquer debate sobre liberdade de expressão:

O YouTube removeu mais de 30.000 vídeos em sua plataforma que apresentavam notícias e informações falsas sobre a vacina da Covid19. Ao total, foram removidos mais de 800.000 vídeos com o mesmo conteúdo desinformativo. A política da plataforma passou a ser orientada no sentido de excluir tudo que incite ou possa incitar perigo enganoso sobre os efeitos da vacina.


O Twitter anunciou o bloqueio permanente de contas que publicarem informações falsas sobre a pandemia. A rede social já adota, em suas políticas, regras específicas para informações falsas e conteúdo manipulado para desinformar; em geral, o usuário é notificado e o Twitter pode bloqueá-lo gradativamente até sua quarta violação – a quinta configura o bloqueio permanente.

O Facebook anunciou projeto para identificação de publicações que versem sobre a segurança e eficácia das vacinas. O objetivo é destacar informações úteis para os usuários, bem como auxiliar como conseguir vacinas contra o vírus nos Estados Unidos. Uma nova ferramenta da empresa serve para mostrar o calendário e local de vacinação em determinada região. Em outra frente, assistentes virtuais (‘chatbots’) e ferramentas de WhatsApp têm sido utilizadas para servir de canal de apoio a autoridades de saúde e governos para auxiliar no registro para vacinação em massa.

O Instagram disponibilizou uma Central de Informações sobre a Covid19, que já existia na rede Facebook, com o objetivo de fornecer informações confiáveis sobre a doença. Além disso, criou regras específicas, em suas políticas, sobre a Covid-19 e a vacina, de modo que qualquer publicação que reproduza informações falsas sobre o tema será removida pela plataforma.  Em seu comunicado, o Instagram afirma que as remoções incluirão ainda publicações que interferem na administração da vacina, que busquem desincentivar as pessoas à vacinação, que minimizem a gravidade da doença, entre outros.

O TikTok, em seu centro de segurança, apresenta um tópico específico para a Covid19, com página que oferece informações da OMS, respondendo a perguntas recorrentes sobre o tema, tendo estabelecido parcerias com organizações internacionais e não-governamentais para disseminação de informação na própria plataforma, como Unicef e a Cruz Vermelha. A empresa relatou que 51.505 vídeos foram excluídos em razão de promover a desinformação sobre a Covid19.

Não é segredo que plataformas têm sido cobradas publicamente para adoção de medidas proativas em relação a notícias falsas, a despeito dos conflitos concretos representados pelo controle informacional, censura online e limitação do fluxo de informações na internet. Os últimos eventos relacionados à Covid19, em especial quanto às narrativas antivacinais no globo, demonstraram ser a remoção de conteúdo online apenas uma das soluções, daí porque muitas das empresas têm optado por intensificar algo como uma campanha informativa ao invés de incorrer em riscos relacionados à violação de direitos de usuários da internet e fuga de usuários das redes sociais e cancelamento de serviços.

Tudo isso leva a repensarmos as principais funções da internet, novas tecnologias e responsabilidades compartilhadas com plataformas e redes sociais. Por outro lado, quando se fala em conteúdo desinformativo produzido e promovido por parte de agentes de poder, qualquer medida de controle não pode depender da atuação isolada de plataformas. Trata-se de tarefa de autoridades de aplicação da lei, as quais têm escapado das missões constitucionais relevantes, particularmente no caso do casamento forçado de conveniência entre a desinformação online e Covid19.   

Fabricio Bertini Pasquot Polido é Professor Associado de Direito Internacional, Direito Comparado e Novas Tecnologias da Faculdade de Direito da UFMG. Doutor em Direito Internacional pela USP. Foi pesquisador do Instituto Max-Planck de Direito Internacional Privado e Comparado/Hamburgo e Instituto Weizenbaum para Sociedade Conectada. Professor visitante das Universidade de Kent, Reino Unido e Universidade Humboldt de Berlim. Advogado e Sócio das áreas de Inovação & Tecnologia e Solução de Disputas de L.O. Baptista.

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