Bolsonaro ameaça mexer no Marco Civil para enquadrar redes sociais
Em meio a um discurso com críticas à imprensa e elogios ao uso das redes sociais como canal de comunicação, o presidente Jair Bolsonaro indicou, sem explicar como, que estaria em elaboração um Decreto para “regulamentar” o Marco Civil da Internet, a Lei 12.964/14.
“A minha rede social é a que mais interage em todo mundo. Somos cerceados, muitos que me apoiam são cerceados. Estamos na iminência de um Decreto para regulamentar o Marco Civil da Internet dando liberdade e punições para quem porventura não respeite isso”, disparou Bolsonaro.
A fala veio no contexto de festejo das manifestações realizadas no fim de semana, com apoiadores do presidente defendendo intervenção militar e com críticas ao Supremo Tribunal Federal. “De onde nasceu a excrecência de dar poder a governadores e prefeitos nos manterem presos dentro de casa?”, reclamou.
Bolsonaro não detalhou o conteúdo do suposto Decreto sobre o Marco Civil – na prática regulamentado desde 2016, pelo Decreto 8.771. Tampouco a Secretaria de Comunicação da Presidência da República ou a Casa Civil, ambas procuradas pelo Convergência Digital.
Há suspeitas, porém, de que o presidente brasileiro se espelha no ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que nesta mesma quarta-feira foi mantido fora do Facebook. Trump, vale lembrar, tentou mexer nas regras sobre mediação de conteúdo com o equivalente a um Decreto, ainda em maio de 2020. Nos EUA, há um movimento político para modificar a legislação que isenta aplicações de internet de responsabilidade por decisões de moderação.
Vai daí o receio de que Bolsonaro tente enquadrar redes sociais – ele mesmo já teve publicações marcadas como disseminadores de desinformação, as fake news. Por aqui, prevalece pelo Marco Civil a liberdade de expressão, com inimputabilidade por conteúdos de terceiros. Mesmo assim, cada aplicativo tem seus termos de serviço e costumeiramente são excluídos conteúdos que as redes sociais entendam em desacordo com suas próprias regras.
Como apontou o professor da UERJ e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, Carlos Affonso Souza, via Twitter, ao tentar decifrar as palavras do presidente, em que pese o escrito no Marco Civil, são cada vez mais comuns decisões judiciais que interferem na suposta liberdade das redes sociais de moderar conteúdos postados.
“Existe quase uma centena de decisões só no TJSP que condenam empresas de Internet que aplicam de modo abusivo ou indevido as suas próprias regras, removendo conteúdo quando não deviam. Então a gente não precisa de Decreto dizendo que moderação errada gera responsabilidade”, avalia o diretor do ITS. Para ele, um Decreto na linha sinalizada por Bolsonaro “poderia reforçar um grupo de decisões preocupantes que já vemos no Judiciário. Impedir as plataformas de moderar é obrigar as empresas a carregar conteúdo que viola suas regras e potencialmente a lei”.