Nova carteira de identidade do Governo atropela documento nacional do TSE
Duas décadas e meia e cinco presidentes depois, o Brasil segue às voltas com o projeto de um documento de identidade moderno e seguro. Jair Bolsonaro anunciou uma nova carteira de identidade, que resgata a promessa de um documento que inviabilize emissões diferentes em cada unidade da federação, a partir das mesmas bases de dados.
Só faltou combinar com o Tribunal Superior Eleitoral, que desde 2017 tem a missão de produzir o Documento Nacional de Identificação, com o mesmo propósito: garantir que cada cidadão tenha uma única carteira, gerada a partir de um banco de dados seguro e não replicável.
Segundo a Presidência da República, no entanto, são projetos distintos. “A nova Carteira de Identidade tem abrangência e propósitos diferentes do DNI, que é regido por outra Lei. Um exemplo é que ela será física, ao invés de só Digital, como o DNI”, informou a Secretaria Geral da Presidência a esta Convergência Digital. “A nova carteira de identidade estará integrada à plataforma Gov.br e abrirá portas para serviços públicos federais. A Carteira também poderá ser um documento de viagem, para além do Mercosul. Não substitui o DNI”, completa.
Na verdade, ambos os documentos se remetem à Lei 9454/97, que estabeleceu um número único de identificação nacional. Desde lá, tentou-se criar o RIC – Registro de Identidade Civil, a Identificação Civil Nacional, o Documento de Identificação Nacional e o Documento Nacional de Identificação – este a cargo do TSE, a partir de uma costura que começou na gestão Dilma Rousseff e virou lei no interregno de Michel Temer.
A escolha do TSE se deu, expressamente, porque a Justiça Eleitoral controla a maior base de dados biométricos do país, com aproximadamente 120 milhões de eleitores cadastrados e identificados pelas digitais dos 10 dedos das mãos. E, veladamente, porque os institutos de identificação dos estados tiveram conflitos com a preponderância da Polícia Federal sobre a base de dados unificada de segurança pública. O plano era resgatar a carteira de identidade com chip (como era o RIC, que não prosperou), mas depois migrou para um documento apenas eletrônico. Duas semanas antes do Decreto de Bolsonaro, o TSE anunciou que começará a emitir o DNI a partir de março deste 2022.
Segundo o Decreto 10.977/22, a emissão do novo documento físico será feita por cada um dos institutos de identificação estaduais. A promessa de que essa identificação não será indevidamente reproduzida está na conferência dos dados biométricos do requerente em bases de dados federais: por meio de APIs, os estados poderão consultar as bases das carteiras de motorista e da Receita Federal, geridas pelo Serpro; da Polícia Federal e do próprio TSE.
Para isso, o mesmo Decreto modifica o Serviço de Identificação do Cidadão, criado em 2021, e que era voltado a uma identidade também eletrônica para acesso a serviços públicos digitais pelo portal Gov.br. Agora, ele passa a substituir o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil, criado nos tempos do RIC, em 2010, e portanto, ganha o caráter de documento físico.