Opinião

A insana fome tributária no Brasil

A modelagem da tributação brasileira mostra-se com uma vontade voraz de arrecadação. Há uma aparente fome tributária, na qual os fiscos procuram arrecadar tudo. Tanto que no setor de telecomunicações, em 2020, segundo as operadoras, mais de 40% da receita líquida resultou no recolhimento de R$ 60 bilhões em tributos, que na verdade são pagos pelos consumidores brasileiros.

Cabe lembrar que na Constituição de 1988 alguns impostos cobrados no País foram repartidos entre Governo Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios. Na época foram transferidos às Unidades da Federação (UFs) os antigos impostos únicos sobre comunicações, energia e combustíveis. Isso, no entanto, fez as UFs concentraram um esforço de arrecadação sobre os usuários do setor de telecomunicações, que passou a ser tributado pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), depois transformado em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Assim, o ICMS é um tributo estadual que atinge produtos e serviços de diversas categorias. O tributo é mencionado no artigo 155 da Constituição Federal, assim como, é regulado pela Lei Complementar nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir. Nesse contexto, o Senado Federal estabelece alíquotas mínimas nas operações internas e cada UF possui autonomia para definir o percentual a ser cobrado.

Tais fatos dão ensejo a diversos conflitos entre normas tributárias e fazem com que tramitem no Supremo Tribunal Federal (STF) dezenas de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) contra leis estaduais que fixam alíquota do ICMS sobre serviços de comunicação em percentual superior à alíquota geral. As ações buscam a incidência de alíquotas mais baixas sobre os produtos e serviços considerados essenciais. E que a seletividade deva ser avaliada em função da essencialidade da mercadoria ou da prestação do serviço em si.

A argumentação gira em torno de normas estaduais que contrariam o princípio da seletividade disposto no artigo 155, parágrafo 2º, inciso III, da Constituição Federal, que determina: “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre (…) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (…). E que o imposto (…) poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços (…)”.


O STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 714139 (Tema 745), decidiu como inconstitucional a fixação da alíquota do ICMS sobre fornecimento de energia elétrica e serviços de telecomunicações em patamar superior à cobrada sobre as operações em geral, em razão da essencialidade.

Esse julgamento representa uma mudança no rumo dos acontecimentos sobre a carga tributária para o setor, pois reconhece que, como serviços essenciais, energia e telecomunicações não podem ser tributadas com as alíquotas mais altas. Ressalte-se a preocupação histórica de vários atores quanto ao peso dos tributos para o setor, comparável àquela que alcança bens supérfluos (como tabaco e bebidas), que termina por prejudicar a ampliação dos serviços de telecomunicações, como no acesso à internet com banda larga.

Estudo técnico produzido pela área técnica da Anatel, em fevereiro/2021, sobre a tributação do setor de telecomunicações, entregue ao STF, reuniu um repertório de dados e conclusões sobre o tema e mostra o nível de carga tributária e custo de cestas de serviços, mediante comparações internacionais, a apontar efeitos perniciosos da alta carga tributária sobre os serviços de telecomunicações no Brasil, especialmente aquela advinda do ICMS. Dentro de uma carga tributária média de 44% no setor, dois terços estão vinculados ao imposto estadual. Enquanto isso, a média internacional é de 10%.

A solução para ampliar o alcance dos serviços de telecomunicações não é simples, mas uma coisa é certa: passa pela equação dos impostos aplicados aos usuários do setor, assim como pela não incidência de encargos inúteis e dispendiosos. Como mencionado no estudo da Anatel, o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo; que representa 44% da receita líquida dos serviços de telecomunicações, versus 25% no Chile, 19% no México, 17% nos EUA, 13% na Austrália, 11% na Índia, 9% na China, 5% no Japão e que assim segue pelo mundo afora.

Se a média brasileira de 44% já assusta, um olhar pelas UFs assusta ainda mais. No Estado de Rondônia, por exemplo, a carga tributária é 68,9%. No Estado de São Paulo, que concentra primacialmente a maior quantidade de acessos dos serviços de telecomunicações do país, é 41,2%. Para melhor referência são mostradas a seguir as alíquotas de ICMS e o fator multiplicador nas UFs:

Alíquotas de ICMS para serviços de comunicação no Brasil

ICMS

Unidades da Federação (a partir de 2016)

Fator Multiplicador*

37%

Rondônia

1,689175

32%

Mato Grosso

1,562061

30%

Pará, Paraíba, Amazonas, Alagoas, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe e Rio de Janeiro.

1,516415

29%

Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Amapá e Tocantins.

1,494578

28%

Bahia e Distrito Federal.

1,473362

27%

Maranhão e Minas Gerais.

1,452739

25%

Acre, Espírito Santo, Piauí, Roraima, Santa Catarina e São Paulo.

1,412429

*Fator de multiplicação dos valores a incluir ICMS, PIS/Cofins, Fistel, Fust, Funttel etc.

A vontade voraz de arrecadação levou o Brasil a praticar sobre os serviços de telecomunicações uma das mais altas taxas de tributos do mundo. Essa pesada tributação é consequência, não só do elevado ICMS, mas, também, da incidência de outros tributos. A maior parte da tributação é o ICMS, que corresponde a 64% do total da arrecadação. Em adição, o Cofins representa 11%; o Fistel, 7%; PIS, 4%; Condecine-Teles, 2%; INSS, 2%; IRPF, 1%; Fust, 1%; Funttel, 1%; IRPJ, 1%; ISS, 1%; e FGTS, 1%. Assim, dois pontos são inquestionáveis: (i) o consumidor arca com a alta carga de tributação e (ii) o aumento do preço final do serviço atua na exclusão de consumidores de baixa renda, afastando-os da inclusão digital e social.

Portanto, a questão tributária não pode e não deve ser motivo de consternação nas diversas operações com mercadorias e serviços pelo país, não só pela ótica dos investimentos de capital, mas, também, por conta da geração de novos arranjos produtivos. Portanto, cabe aos poderes constituídos da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) atuar no sentido de manter o cenário tributário atrativo aos diversos setores, onde se situam os governos, prestadores e os consumidores de serviços públicos, como comunicações, energia e combustíveis.

(*) O autor é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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