Opinião

Fim da recuperação judicial da Oi

Ante uma dívida de R$ 65 bilhões, com base na Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005), o Grupo Oi; constituído pela Oi S.A., Telemar Norte Leste, Oi Móvel, Copart 4 Participações, Copart 5 Participações, Portugal Telecom International Finance (PTIF), e Oi Brasil Holdings Coöperatief; apresentou pedido de recuperação judicial, em 20/06/2016, cujo processamento foi deferido pelo Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro. No âmbito do pedido foram incluídos os créditos da Anatel na ordem de R$ 11 bilhões (base, 11/10/2016). Entre eles, havia R$ 7,2 bilhões de créditos constituídos e, portanto, da alçada da Advocacia Geral da União (AGU). Para o bem de todos e felicidade geral da nação, o fim da recuperação judicial da Oi foi declarado, no último dia 14/12/2022, pelo Juiz da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

Ao compor o Conselho Diretor da Anatel e exercer a sua presidência entre 2016 e 2018, defrontei-me com a recuperação judicial do Grupo Oi. Sabia que esse não seria um processo fácil, pois ao deixar o Ministério das Comunicações em 2002 continuei a acompanhar o setor, e com ele a Oi. Eu também sabia que a Anatel continuava organizada administrativamente, mantinha uma área técnica com profissionais competentes, conselheiros qualificados e que jamais estaria insularmente isolado nas decisões do Conselho. Para tanto, precisaria de serenidade, coragem, prudência, firmeza, transparência e colegialidade.

A Oi prestava o serviço de rede de transporte para outras operadoras em 3.168 municípios do país. Em 3.975 municípios era a única operadora de telefonia fixa e em 218 deles a única prestadora de telefonia celular. Em 2.748 municípios operava 70% dos acessos à internet. Com um total de 69 milhões de usuários, a Oi detinha 34% do mercado de telefonia fixa e 18% do mercado de telefonia móvel. Esses números davam a dimensão do Grupo Oi no Brasil.

A figura da intervenção disposta na Lei Geral de Telecomunicações – LGT (artigos 110 e 111) não autorizava intervir nos serviços de empresas que, mediante autorizações, explorassem serviços de telefonia celular e de acesso à internet. Um levantamento da infraestrutura da Oi identificou os elementos essenciais para a prestação dos serviços, assim como elencou alternativas de gerenciamento caso se agravassem as condições operacionais. Felizmente, os indicadores mostravam que a Oi conseguia isolar a sua operação das dificuldades financeiras.

O ordenamento legal admitia o parcelamento dos débitos da operadora em, no máximo, 60 meses, com correção pela Selic. A Oi tratava os créditos concursais na condição de quirografários e sujeitos aos cortes propostos aos credores privados. Ao mesmo tempo, a AGU mantinha o propósito de recorrer até a última instância na busca de executar integralmente os créditos constituídos. E a Procuradoria Federal Especializada da AGU junto à Anatel assim procedeu.


A LGT (art. 114, inciso I, parágrafo 2º) determina que, em caso de falência de concessionária, a decretação da caducidade será precedida de procedimento administrativo instaurado pela Agência, em que se assegure a ampla defesa da concessionária. Então, a Oi teria o direito do contraditório e defesa sobre a continuidade da concessão em eventual processo de falência. Faltavam à Anatel condições legais para a intervenção em concessionárias, permissionárias e autorizadas sob recuperação judicial, em caso de comprometimento da prestação de serviços, bem como para aceitar o parcelamento dos créditos não tributários em prazo diferente àqueles estipulados legalmente.

A intervenção na Oi seria possível na concessão de telefonia fixa, embora não livre de questionamentos, em razão dos requisitos legais para a sua decretação, por coincidir com o curso do processo de recuperação judicial. O Conselho Diretor da Anatel entendeu que a Agência estava limitada por condições legais que não tivessem o mérito de prever a sucessão de tão invulgares acontecimentos. Dada a gravidade da situação, o Conselho considerou conveniente que os referidos fatos fossem conhecidos pelo Ministério setorial e Presidência da República.

Iniciada na manhã do dia 19/12/2017 e finalizada na madrugada de 20/12/2017, a Assembleia Geral de Credores foi marcada pelo apoio da maioria dos credores ao Plano de Recuperação Judicial da Oi. A Anatel foi a voz dissonante, ao votar contra a sua aprovação. No plano aprovado, as multas que tramitavam na esfera administrativa foram enquadradas na chamada modalidade geral. Nessa modalidade havia a carência de 20 anos para o principal da dívida, com pagamento em cinco parcelas anuais após a carência. O montante de juros mais correção monetária pela Taxa Referencial (TR) seria pago com a última parcela do principal, ao fim do 25º ano.

Não fosse o voto adotado pela AGU e Anatel, no cômpito dos dilemas de Estado, o plano teria tido aprovação unânime. A Anatel, em seu papel de credora e reguladora, dependente das circunstâncias, poderia ter decretado a falência da Oi, mas, ante implicações de interesse público, preferiu exercer o papel de guardiã da coisa pública. Mesmo contestando o tratamento dado aos créditos públicos, a Anatel não fez juízo de valor quanto às partes do Plano de Recuperação Judicial que tratavam dos créditos privados.

Votar a favor, ou abster-se, comprometeria toda a cadeia de comando do Governo Federal. A posição da Anatel foi por conta da falta de respaldo jurídico para que fosse possível concordar com os termos de parcelamento das multas. Prevaleceu o parecer da Procuradoria, que tinha força executória, no sentido de que Anatel e AGU votassem pelo não reconhecimento da inclusão dos créditos públicos. Assim, o Conselho Diretor da Anatel, por unanimidade, determinou ao representante da Anatel como votar na Assembleia Geral de Credores, em razão dos óbices jurídicos apontados na Portaria 1.762/2017 do Conselho Diretor, sem emissão de juízo de valor sobre a conveniência, a oportunidade e o mérito dos demais capítulos do plano.

No curso do Processo, após aditamento aos termos do plano original conduzida pela Oi em 2020, importante decisão estratégica foi proposta pela Companhia e aprovada por seus credores, ao estruturar alguns de seus ativos como Unidades Produtivas Isoladas, em preparação para processos de alienação. Dos ativos vendidos desde então, a Oi Móvel resultou em um aporte de R$ 14,47 bilhões ao caixa da empresa, dos quais R$ 4,64 bilhões foram imediatamente pagos ao BNDES, em quitação à sua maior dívida concursal individual. A venda das torres rendeu R$ 1,05 bilhão, e a dos principais Data Centers trouxe R$ 325 milhões para a Companhia. O controle da “V.tal” foi vendido por R$ 12,92 bilhões, com a Oi a permanecer como acionista relevante da empresa resultante. Há ativos com venda a concluir: o de TV por assinatura, que tem um lance de R$ 786 milhões e o das torres de telefonia fixa, com proposta de R$ 1,7 bilhão.

Em fato relevante de 31/05/2022, a Oi divulgou o Instrumento de Repactuação e Transação com a Anatel, no feito representada pela AGU. Com uma redução de 54,99%, a dívida passou de R$ 20,237 bilhões (saldo atualizado) para R$ 9,109 bilhões, a abranger tanto o saldo dos débitos não tributários originais quanto os novos desde 2020. Descontando o montante dos depósitos judiciais da Oi, apropriados pela Anatel, o valor líquido ficou em R$ 7,335 bilhões. Com a repactuação, o vencimento da última parcela ocorrerá em abril de 2033 e a dívida deverá ser quitada em 126 parcelas não lineares. Um montante elevado, mas que significa uma redução relevante em relação ao total de créditos anteriormente existentes.

Os créditos públicos foram equacionados em 2022, com a Lei 14.112/2020, que alterou a Lei de Recuperação Judicial e Falências. Mediante o pagamento das parcelas, à Oi foi conferida ampla, completa, geral, rasa e irrevogável quitação em relação aos débitos não tributários não pagos e/ou objeto das execuções fiscais listados no Instrumento que representa o cumprimento de uma importante etapa do Plano de Recuperação Judicial. Da dívida de R$ 65 bilhões, a Oi quitou pagamentos com 35.372 credores, dentre os quais a renegociação com Anatel e o pagamento integral da dívida com o BNDES. Aos fornecedores, a Oi pagou R$ 2,4 bilhões. Dos cerca de 65 mil credores, pouco menos de 59 mil tinham a receber até R$ 50 mil. A empresa foi autorizada a renegociar individualmente cada valor.

Dessa maneira, a Oi sai de uma das maiores recuperações judiciais da história do País. Com a homologação da Justiça o litígio dar-se-á por encerrado, sem que a Anatel tivesse sido obrigada a fazer com que a União assumisse o ônus de uma delicada intervenção na operadora. Importante destacar que o caminho das soluções privadas, nesse caso, felizmente pode ser traçado com aparente sucesso, lançando mão, seja no âmbito público seja no privado, do ferramental legal e regulatório disponível para a solução de litígios dessa complexidade.

(*) Juarez Quadros do Nascimento é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.

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