SAS troca ERP; ajusta sistemas, mas se nega a mudar cultura por abertura de capital
A longa jornada do SAS para abrir capital esbarra em uma série de documentos que precisam estar em conformidade com as regulamentações exigidas das companhias públicas. O cofundador e CEO do SAS, Jim Goodnight, falou sobre isso na entrevista com o Convergência Digital, quando também explicou as razões que o levou a tomar a decisão de partir para o IPO.
Ainda no SAS Innovate 2023, que ocorreu no meio de maio em Orlando (EUA), Gavin Day, vice-presidente-executivo do SAS e que também ocupa um cargo lá chamado de “office of the CEO”, detalhou o processo pelo qual a companhia — que, inclusive, demandou mudança de ERP — e falou, principalmente, da cultura interna. Mas como mantê-la sendo uma empresa listada? “Conversamos com banqueiros de investimento e consultores que há áreas em que gastamos dinheiro e coisas que acreditamos que impactam a cultura, que não mudaremos quando abrirmos o capital”, ressaltou. Leia a entrevista na íntegra a seguir.
Convergência Digital — O Jim Goodnight falou que, no processo de IPO, o mais difícil tem sido relacionado a livros de contabilidade e contratos. Gostaria de começar pedindo para você me explicar melhor sobre isso e qual é o estágio atual.
Gavin Day — Quando Jim se refere a livros [contáveis] e essas coisas, você sabe, ele está falando sobre muitas das mudanças que faremos e que estão em andamento do ponto de vista financeiro. Como uma empresa privada de 46 anos, podíamos fazer as coisas de uma perspectiva contábil e de reconhecimento de receita diferentemente de uma empresa pública.
Há um padrão contábil chamado ASC 606, que, como uma empresa privada, não tivemos que aderir, mas com as empresas públicas isso é muito rigoroso em relação a relatórios e reconhecimento de receita. Então, tivemos que mudar a forma como éramos licenciados. Tivemos que mudar a forma como reconhecemos a receita. Quase tudo isso foi transparente para os nossos clientes.
Como uma empresa pública, você deve ser capaz de relatar dentro de um determinado período — fim do trimestre, fim do ano — e não precisávamos fazer isso. Também, internamente, nossos funcionários sempre tiveram acesso aos números de receita; sempre fomos muito abertos. Mas não podemos fazer mais isso. Mas tivemos que fazer isso de uma maneira muito deliberada, porque, se começássemos a retirar o acesso ao financeiro, os funcionários ficariam nervosos e começariam a fazer perguntas. Fizemos um programa educacional internamente para explicar as mudanças que estamos fazendo e todos estarem cientes de nossa jornada para abrir capital. Foi muito bem recebido.
Quanto tempo o processo já leva?
Já se passaram cerca de 18 meses. E parte disso é porque há mudanças na estrutura corporativa que estamos fazendo para que possamos ser uma empresa pública. Isso é exigido pela SEC. Esse é um processo de vários anos, porque temos que fazer isso de uma maneira que a empresa atinja suas metas e métricas financeiras, mas também temos que fazer isso de uma maneira que não impacte negativamente nossos clientes.
E quantos anos você acha que ainda há pela frente?
A direção para a empresa e para mim especificamente é estar pronto em 2024 e essa meta permanece inalterada. Portanto, o objetivo é que estaremos prontos para abrir o capital em 2024. E, então, com base nas opiniões do Dr. Goodnight e nas opiniões dos banqueiros, e a depender das condições do mercado, ele tomará essa decisão. E isso é absolutamente e exclusivamente dele para fazer.
Estamos no caminho certo com tudo o que precisamos fazer. Há muito trabalho a ser feito. Uma das coisas que estamos fazendo é que tínhamos alguns sistemas internos caseiros que desenvolvemos no SAS; e isso é tido como uma fraqueza para uma empresa pública do ponto de vista de auditoria e risco. Então, tivemos que sair e comprar sistemas comerciais, como ERP e sistemas financeiros, porque, quando um auditor público entra, ou você sabe, um banco de investimento entra, há coisas que eles esperam ver que as empresas públicas têm que fazer, que são muito consistentes da perspectiva de conformidade.
E quem levou: SAP ou Oracle?
Oracle
Quando foi a mudança de ERP?
Fizemos isso no início do ano. E isso muda tudo o que você faz.
De fato, trocar sistema de gestão é complexo. Mudando de tema, em 2008, eu entrevistei o Dr. Goodnight e foi no meio da crise financeira da quebra do Lehman Brothers. Ele me disse que era uma companhia privada e que não demitiria ninguém. De fato, ao conhecer a sede do SAS vi que a cultura é algo levado muito a sério. No entanto, um IPO pode mudar tudo. Como vocês vão balancear as expectativas do mercado, que no fim quer números, com políticas como manter os funcionários empregados durante crises? Imagino que para isso não possam abrir tanto o controle…
Sim,o doutor Goodnight diz, frequentemente, que as pessoas que temos são os bens mais importantes que a empresa tem. E continua sendo uma de nossas principais prioridades junto com como fazemos negócios e tratamos nossos clientes — e isso não vão mudar quando abrirmos capital. Conversamos com banqueiros de investimento e consultores que há áreas em que gastamos dinheiro e coisas que acreditamos que impactam a cultura, que não mudaremos quando abrirmos o capital. Gastaremos dinheiro em lugares que talvez nossos pares de capital aberto não gastem. Mas porque acreditamos que isso é chave para nossa empresa e, se optarmos por mudar essa cultura, acreditamos que isso afetaria negativamente a empresa e, finalmente, nossos clientes. E, nisso, o dr. Goodnight não é flexível.
Para isso, os altos executivos ficarão no comando? Qual porcentual da companhia será aberto?
Há algumas opções diferentes de estrutura corporativa. Uma das razões pelas quais Jim Goodnight quer abrir o capital é compartilhar os benefícios e o sucesso do SAS com os funcionários; e ele o fará. Ele quer que os funcionários participem disso. E, quando ele estiver pronto, lançará essas decisões. Existem várias opções diferentes de estrutura corporativa de longo prazo, sobre as quais o Dr. Goodnight tomará uma decisão, mas não é algo sobre o qual estamos falando publicamente.
Mas meu pensamento está correto de que para manter essa cultura e investimentos que talvez uma empresa pública não os faria é muito importante que os funcionários, portanto, os principais executivos permaneçam no controle da empresa?
Junto com um futuro conselho de administração, certo? Tem o controle da empresa e depois quem participa da oferta, são duas coisas diferentes. A direção que o Dr. Goodnight estabeleceu para a empresa, não importa quem esteja, de uma perspectiva executiva, garantirá que nós manteremos a cultura do jeito que ele quer. Isso é, provavelmente, a coisa mais importante para ele. E, sim, haverá discussões com banqueiros e conselhos e, você sabe, acionistas ou potenciais acionistas no futuro, mas não é algo que estamos dispostos a mudar. Eu tenho uma história que conto muito. Há uma empresa muito grande com a qual fazemos muitos negócios. Eu me encontrei com os executivos e perguntei a eles como foi. Eles disseram que sabiam o que esperar da tecnologia, mas o que não esperavam era que os funcionários do SAS que trabalharam no projeto o tornou melhor. Aí que está o poder da cultura. Há muitas incógnitas em potencial no futuro, bem quando você pensa em mercados públicos e investidores e coisas assim, mas, se nós nos basearmos na missão, na cultura e na visão que o Dr. Goodnight estabeleceu, acreditamos que esse será o caminho para uma empresa de sucesso.
Como você enxerga a companhia dentro dos próximos dez anos?
Daqui a cinco anos, dez anos, qualquer que seja o horizonte de tempo, eu vejo que o SAS continuará sendo o principal fornecedor de dados, analytics e IA do mercado. E nos vejo, nesse ponto, falando cada vez menos sobre IA, porque ela estará incluída em tudo o que fizermos. E já fazemos muito disso. Não estamos no mercado para vender a você um kit de ferramentas de IA. Vamos usar IA para melhorar cada produto que tenho.
IA estará embutida em tudo. Mas ainda tem muita empresa falando que usa quando, na verdade, é algo bem incipiente…
A pergunta que existe para mim é quais resultados você está obtendo com o IA? Você está tomando melhores decisões por causa disso? Eu costumava dizer que a IA era uma tecnologia procurando por um caso de uso. Mas o fato é que, qualquer que seja o horizonte, o foco e crescimento ainda são significativos em nossas áreas de solução que temos como base e, em seguida, têm as soluções construídas no topo. Depois há a integração horizontal entre todas elas. Portanto, você está usando o mecanismo de decisão SAS para tomar decisões sobre clientes, empréstimos e retenção. E isso continuará sendo uma grande parte de nossos negócios. Como uma empresa sustentável, seja pública ou privada, teremos um crescimento significativo da receita e foco nos lucros. Quero dizer, temos sido lucrativos por 46 anos consecutivos, sem dívidas e sem dinheiro de fora.
46 anos?
46 anos consecutivos de lucro. Sim. E, no mercado, isso é muito diferente. Quando falamos com os banqueiros e dizemos que temos 46 anos consecutivos de lucro, sem dívidas, sem nunca ter tido dinheiro de fora, eles simplesmente … é como se isso não existisse em lugar nenhum.
E por que, como você acha que isso aconteceu?
Porque nosso CEO sempre teve uma visão de longo prazo. Acho que vimos outras pessoas no mercado fazendo investimentos rápidos com base, talvez, em uma condição de mercado somente para um ano, um trimestre ou em uma palavra da moda, enquanto o Dr. Goodnight sempre atuou de um lugar de crescimento e lucro responsável e sustentável. Quero dizer, ser um negócio não lucrativo nunca foi algo que consideramos.
Posso te fazer uma pergunta difícil e triste? Como você imagina o SAS sem Jim Goodnight?
O Jim tem um plano de sucessão de longo prazo, que, obviamente, ele vai falar sobre quando for a hora certa para ele. Em um nível pessoal, é extremamente triste, como você disse. Mas as impressões digitais dele, o seu DNA e o seu legado estão por toda a empresa. Então, quero dizer, esta é a empresa de Jim Goodnight até sempre. E não estaríamos aqui sem a liderança dele. E espero que seja por muito tempo. Ele trabalha todos os dias na empresa e provavelmente é o único funcionário que não faltou um dia durante a Covid-19. Ele está no escritório diariamente.