Anatel regular internet é risco e muda função da agência
Para o jurista, advogado e professor Floriano de Azevedo Marques Neto, a ideia de que as big techs devem pagar pelas redes de telecom parte de uma premissa equivocada. "Capitalismo não tem fair share";, afirma.
A campanha da Anatel para ampliar as suas competências ao mundo da internet avança internamente e no Congresso Nacional, mas esse movimento se dá sobre argumentos questionáveis, defende o jurista, advogado e professor Floriano de Azevedo Marques Neto. Para ele, a ideia é não só equivocada, mas também arriscada.
“Trazer para dentro da Anatel todas as capacidades regulatórias desse mundo da internet é inapropriado, desconfigura o que a Anatel é e o que a Anatel tem que ser”, afirmou o especialista em telecomunicações.
“É óbvio que a Lei Geral de Telecomunicações e as competências da Anatel merecem ser adaptadas para os desafios que foram surgindo de as redes serem usadas para outras finalidade de comunicação que não eram pensadas nos anos 1990. Agora, a Anatel virar essa grande agência reguladora do mundo da internet é muito arriscado e vai descaracterizar sua função principal”, destacou.
O tema foi discutido nesta quarta, 13/9, no Painel Telebrasil 2023. De sua parte, a Anatel usou como argumento para ser o órgão fiscalizador das plataformas digitais, como previsto no projeto 2630/20, o PL das Fake News. O conselheiro Alexandre Freire repetiu o que vem defendendo o presidente da agência, Carlos Baigorri, de que a Anatel já atua nesse tema ao ser o órgão que dispara ordens de bloqueio ou remoção de conteúdo emitidas pelo Poder Judiciário.
Mas, como apontou Floriano Marques Neto, há aí uma confusão entre a aplicação de uma ordem judicial e a análise de mérito envolvida. “Se fosse pelo enforcement do mérito, a Polícia Federal tinha que assumir todas as competências porque faz enforcement de todas as decisões judiciais sobre todos os temas da vida. Então esse não é um raciocínio muito apropriado do ponto de vista jurídico.”
Redes
O especialista também entende como mal colocada a queixa das operadoras de telecomunicações que querem cobrar as grandes plataformas da internet pelo uso das redes. Chamada de ‘fair share’, ou ‘parcela justa’, a campanha consiste na criação de alguma forma de pagamento pela performance do uso da rede.
“No capitalismo não existe ‘fair share’. Existe o estímulo de todo agente capitalista de maximizar suas margens. Mas também não existe almoço grátis. O que estamos discutindo, e acho ingênuo dizer que tal setor tem margem elevada e tem que financiar, porque no fim do dia quem vai pagar é o usuário. Se aumento o custo do conteúdo audiovisual, quem compra Netflix, Amazon ou Globoplay na ponta vai pagar mais caro pelo conteúdo que recebe”, disse Marques Neto.
No mais, insistiu, cobrar de quem trafega grande volume de dados pode ter outros impactos, a começar pela telemedicina, que tende a se valer cada vez mais de vídeos em alta definição. E mesmo sobre atividades comerciais esse exercício não parece simples.
“Grande parte da economia da internet não é mensalidade para acesso a conteúdo. É monetização da informação. Como fazer ‘fair share’ da monetização da informação? As teles vão começar a ter participação na publicidade cobrada do anúncio em uma pesquisa do Google? Isso tudo tem que ser pensado com muito mais calma do que simplesmente a partir do slogan ‘quem ganha tem que pagar’. Porque isso reduz o debate e acaba obscurecendo discussões muito relevantes e complexas que devem ser feitas.”
Afinal, lembrou, essa discussão atropela fatores anteriores de constrangimento de recursos para investimentos em redes. “Passamos 15 anos, 20 anos, obrigando a ter investimentos em universalização de um serviço que ninguém mais quer. O preço público pelo uso de radiofrequência tem preços muito altos e órgãos de controle exigindo cada vez mais cobrança elevada, que acabam tirando recurso de investimentos na ampliação das redes. E tudo isso tem que ser pensado. Nosso problema não é de fair share, é de como vai ser investido e quem vai ficar com a renda, vis a vis a necessidade de universalização.” Assista a entrevissta com o jurista Floriano de Azevedo Marques Neto.