Brasil engatinha no uso de inteligência artificial na Saúde
Apesar do entusiasmo, faltam estratégia e dados integrados de qualidade
O Brasil está em estágio inicial de desenvolvimento e implementação de ferramentas de inteligência artificial na saúde. A conclusão é do estudo “Inteligência Artificial na saúde: diagnóstico qualitativo sobre o cenário brasileiro”, lançado pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
Com o objetivo de reconhecer as principais questões na agenda atual da IA aplicada à área no país, a pesquisa, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br/NIC.br), fez um mapeamento inédito das ideias emergentes, preocupações e expectativas sobre o tema.
A partir de uma abordagem exploratória, foram investigados as oportunidades, riscos e desafios para o aproveitamento do potencial dessa tecnologia no setor. Para isso, o estudo entrevistou gestores e especialistas da academia e de centros de pesquisa, do poder público, de empresas e estabelecimentos de saúde (públicos e privados), além de profissionais de saúde que usam essas tecnologias no atendimento a pacientes.
O estudo também coletou informações sobre iniciativas e práticas em andamento em diferentes segmentos da saúde, e opiniões sobre gestão de dados, segurança da informação, ética, regulação, entre outros temas relevantes para essa discussão.
“Identificamos que há um intenso debate sobre a IA no campo da saúde no Brasil, e que o ecossistema desfruta de muito otimismo em relação aos benefícios potenciais dessa tecnologia”, resume Graziela Castello, coordenadora de estudos setoriais no Cetic.br e responsável pela pesquisa.
“As entrevistas revelaram que o país está em um estágio inicial de desenvolvimento e implementação de ferramentas de IA na saúde. Há um clima de otimismo e grande expectativa quanto ao potencial da IA, especialmente no setor privado, em que o desenvolvimento está mais avançado em comparação com o setor público. Os principais avanços mencionados incluem o uso da IA para melhorar processos de assistência médica e gestão, com ênfase na ampliação da eficiência e na redução de custos”, aponta o estudo.
O Brasil, porém, tem muito o que avançar. “Apesar do entusiasmo, os entrevistados do estudo reconhecem que o país está apenas engatinhando nessa jornada e enfrenta desafios, como falta de estratégia nacional, questões regulatórias e deficiências na qualidade e na integração de dados. A evolução da IA na saúde brasileira é percebida como desigual, com o setor privado liderando o movimento, enquanto o setor público enfrenta desafios burocráticos e de escassez de recursos. As principais lacunas apontadas são relacionadas à qualidade dos dados e à falta de regulação específica para usos de IA na saúde.”
Os principais avanços citados pelos entrevistados incluem o uso da IA para melhorar processos de assistência médica e gestão, com ênfase na ampliação da eficiência e na redução de custos. “Apesar do entusiasmo, o entendimento geral é que o país está apenas engatinhando nessa jornada”, completa.
Em relação às potencialidades da IA, os entrevistados destacaram três eixos principais de oportunidades: melhorias para pacientes, profissionais de saúde e prestadores de serviços.
Para os pacientes, a inteligência artificial pode ampliar o acesso aos serviços de saúde e melhorar a precisão diagnóstica. Já para os profissionais de saúde, essa tecnologia é capaz de reduzir processos burocráticos, otimizar o tempo gasto em tarefas administrativas e oferecer apoio na tomada de decisões clínicas, promovendo diagnósticos mais rápidos e precisos, além de ampliar a capacidade de atendimento em regiões com escassez de especialistas.
Em relação aos prestadores de serviços de saúde, as ferramentas de IA podem trazer, tanto no setor público quanto no privado, eficiência operacional, otimização de recursos e melhoria nos processos de gestão, logística e atendimento.
“A IA é percebida como uma ferramenta capaz de promover melhorias significativas em diversos aspectos da saúde no Brasil, desde a gestão operacional até o cuidado clínico, com benefícios tanto para os profissionais da área quanto para os pacientes e a sociedade como um todo”, comenta a coordenadora.
Ainda segundo a pesquisa, esse potencial também pode servir para o enfretamento das desigualdades na oferta de saúde, “ampliando acesso aos serviços e reduzindo o impacto da escassez de recursos em regiões mais desfavorecidas do país”.
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi apontado como o grande diferencial brasileiro em relação à obtenção de dados, por contar com volume e diversidade suficientes para o desenvolvimento de algoritmos e aplicações robustas e confiáveis.
“É muito forte a percepção de que há um grande potencial de uso da IA no sistema público de saúde brasileiro graças ao SUS e às suas bases de dados de abrangência nacional. Os dados coletados pelo SUS são de enorme valor, considerando a capilaridade e a escala do sistema, e a diversidade da população brasileira. Representarão um passo importante em direção à integração de dados, caso sejam tratados e preparados para essa finalidade”, reforça a pesquisa.
Os entrevistados avaliaram ainda que a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), plataforma de interoperabilidade em saúde do governo federal, tem um grande potencial em promover a troca de informações e criar um ambiente propício para o desenvolvimento e aplicação da IA no setor. A condição fundamental para que isso aconteça, conforme os atores ouvidos, é que os dados sejam de qualidade, e não apenas em grande volume, o que implica a importância de protocolos e rotinas que assegurem, entre outros elementos, a padronização de informações de saúde.
Entre os desafios apontados pelos entrevistados estão: a falta de uma estratégia nacional organizada e centralizada para incentivar a IA na saúde, questões regulatórias e deficiências na qualidade e na integração de dados, que são o principal insumo das tecnologias de IA.
A evolução da IA na saúde brasileira é percebida como desigual, com o setor privado liderando o movimento, enquanto o setor público lida mais com processos internos, e enfrenta escassez de recursos.
As principais lacunas apontadas são relacionadas à qualidade dos dados e à falta de regulação específica. Na avaliação dos grupos ouvidos pela pesquisa, superar essas barreiras é fundamental para o avanço da IA aplicada à saúde no Brasil.
Riscos
Entre as preocupações apresentadas em relação ao uso da inteligência artificial na saúde, uma questão destacada na pesquisa foi a privacidade e a segurança dos dados dos pacientes. Os entrevistados apontaram o risco de vazamento de informações sensíveis, considerando a possibilidade de aplicação inapropriada dos dados utilizados ou gerados pelas ferramentas de IA.
Já a discussão sobre os direitos dos usuários dos sistemas de saúde apresentou limitações, enfatizando a necessidade de educação digital para promover uma compreensão dos benefícios da tecnologia.
“Para mitigar os potenciais riscos do avanço da IA na saúde, é preciso que haja transparência nas decisões que embasam a construção das ferramentas, estrutura clara de governança para avaliação de riscos e desenvolvimento de algoritmos livres de vieses, a fim de que produzam resultados confiáveis, de acordo com os entrevistados”, destaca o estudo.
O estudo também investigou práticas e usos de IA em Saúde que já estão em andamento nos quatro segmentos analisados: academia, equipamentos de saúde, poder público e mercado. O intuito foi apresentar um panorama amplo sobre o cenário atual brasileiro em relação à aplicação dessa tecnologia no setor.
De maneira geral, as iniciativas visam a otimizar processos de gestão e aprimorar a qualidade do cuidado. Cada esfera tem seus focos específicos: na academia, destaca-se o desenvolvimento de algoritmos com ênfase na diversidade populacional brasileira e na correção de vieses algorítmicos, pois podem ter implicações sociais nocivas. No mercado, há um foco na IA generativa para criar produtos variados, como chatbots para atendimento ao paciente, além de ferramentas para otimizar diagnósticos por imagens. No poder público, a digitalização e a interoperabilidade de dados estão no centro. Já nos equipamentos de saúde, há uma ênfase em projetos diversos para assistência ao diagnóstico e à gestão.