Telecom vive “30 anos em 1” com a chegada da inteligência artificial
Uso crescente da IA vai exigir capacitação, segurança e regulação, mas as oportunidades estão apenas começando.

Fábio Barros

A inteligência artificial (IA) vai acelerar o setor como poucas vezes aconteceu na história. A metáfora de “30 anos em 1” , em painel realizado na Futurecom 2025, deu o tom de uma transformação que combina eficiência operacional, novos modelos de negócio e mudanças culturais profundas. O debate, mediado por Ari Lopes, analista líder para as Américas da Omdia, reuniu executivos de empresas como Algar, Vivo, Nokia, Deutsche Telekom Brasil e V.tal.
“Começamos a Futurecom falando de IA porque o momento da nossa indústria exige uma avaliação de novas oportunidades”, afirmou Lopes. Ele destacou que o setor de telecom deve crescer 2,5% ao ano nos próximos cinco anos, ritmo considerado moderado diante da explosão de tráfego digital. “Em 2024 tivemos um limiar bem baixo de investimentos. O setor precisa se transformar e a IA é um dos grandes elementos que podem ser trabalhados. Nossa estimativa é que o mercado de software de IA generativa deve chegar a US$ 123 bilhões em 2030”, completou.
Na visão de Luiz Alexandre Garcia, CEO da Algar, a IA está mudando a própria identidade das operadoras. “A IA é a grande revolução que vivemos agora em termos digitais. Isso faz com que as empresas de telecom sejam grandes usuárias. Na Algar queremos chegar a 100 agentes ainda este ano, usados tanto na otimização de projetos técnicos quanto no atendimento aos clientes”, disse.
Para ele, essa transformação redefine o papel do setor. “Deixamos de ser empresas de conectividade para oferecer soluções integradas. Como somos usuários intensivos de IA e conhecemos as necessidades de nossos clientes, podemos usar essa tecnologia para solucionar dores reais. A grande inovação é mudar de telco para techCo”, destacou.
Garcia citou a inauguração de um hub de cocriação da Algar com parceiros e fornecedores. “Queremos criar soluções digitais completas em conjunto, porque sabemos que não desenvolveremos 100% das soluções sozinhos.”
A visão da infraestrutura
O country manager da Nokia Brasil, Rafael Mezzasalma, chamou atenção para o crescimento exponencial do tráfego digital. “Estamos falando de um crescimento de 18% a 25% por mês. Essa explosão traz oportunidades para as operadoras, que podem fornecer infraestrutura para essa demanda, seja com a colocação de data centers, seja com a oferta de serviços”, afirmou.
Segundo ele, há uma conjuntura regulatória que pode impulsionar esse movimento. “Estamos bastante focados na nova regulamentação que deve colocar data centers em todo o Brasil, trazendo oportunidades de interconexão. São redes com características muito específicas”, explicou.
Além da infraestrutura, Mezzasalma destacou ganhos de produtividade. “A IA vem trazendo uma produtividade tremenda. Já vemos operadoras no mundo oferecendo serviços baseados em IA para empresas e usuários. Temos tanto a questão de infraestrutura quanto a questão de eficiência operacional.”
Para Lucas Aliberti, CCO da V.tal, o desafio das operadoras está em transformar ganhos internos em novos negócios. “É muito mais fácil transformar algo que existe do que criar. A IA traz novas ferramentas e expande horizontes, mas ainda precisamos pensar em algo novo para oferecer ao cliente final”, disse.
Segundo ele, a comparação com a revolução dos smartphones é pertinente. “Hoje temos uma adoção individual da tecnologia, que é o que vai destravar o uso em empresas. No nosso caso, como somos uma empresa jovem, temos mais facilidade de incorporar processos orientados por IA. Conseguimos aperfeiçoar produtos, agilizar manutenção de campo e melhorar aplicações, mas ainda estamos suportando o core. Os novos serviços virão depois.”
O CEO da Deutsche Telekom no Brasil, Pablo Guaita, lembrou que a companhia trabalha com IA desde 2016. “Estamos evoluindo na aplicação, buscando equilíbrio entre mudar e fazer. Hoje temos o ChatGPT integrado dentro da companhia e participamos da Global AI Alliance, onde juntamos forças com outros provedores para desenvolver aplicações comuns”, afirmou, reforçando a importância de parcerias: “Não fazemos sozinhos, mas sempre junto com parceiros”.
A importância das pessoas
Para Débora Bortolasi, vice-presidente B2B da Vivo, a grande chave da transformação está na capacitação. “Entendemos que gente é nossa maior tecnologia. A IA vai transformar processos e trazer eficiência, mas precisamos capacitar as pessoas”, disse.
Ela citou uma pesquisa da Bain para embasar a preocupação: “Segundo o estudo, 39% dos executivos reportam que a maior dificuldade para adoção da IA é a falta de qualificação. Temos a responsabilidade de pensar em recapacitação. O Brasil é um dos países mais conectados do mundo, mas quase metade da população não sabe enviar um e-mail com arquivo anexo.”
Débora destacou a atuação da Fundação Telefônica: “Trabalhamos com jovens e educadores em conceitos matemáticos e visão computacional. Investindo em formação conseguimos criar oportunidades gigantescas de trabalho. Em países desenvolvidos, a formação técnica no ensino médio chega a 70%. Precisamos ampliar isso no Brasil.”
A executiva também trouxe a pauta da segurança. “Partimos sempre da premissa de privacidade e respeito à LGPD. Há uma discussão sobre como treinar modelos de IA e manter os guard rails para evitar vazamentos sem perder produtividade”, alertou.
Segundo ela, o desafio é estrutural, já que não se trata apenas dos motores, mas do tipo de informação que vai ser utilizada, o que torna a gestão de dados fundamental. “Por isso, muitas empresas estão criando camadas internas de organização de dados para usar IA em perímetros controlados”, lembrou.
O tema infraestrutura apareceu em diferentes momentos do debate. Aliberti, da V.tal, afirmou que o Brasil tem uma condição de infraestrutura digital muito desenvolvida, mas ainda há de 5 milhões a 10 milhões de pessoas desconectadas. “Além disso, a IA vai demandar investimentos em data centers, cabos e equipamentos muito além do que temos hoje”, previu.
Garcia, da Algar, fez um alerta estratégico: “A IA precisa entrar como plano nacional de governo. Hoje os hyperscales disputam países e vemos o Paraguai atraindo data centers com energia barata e isenções. O Brasil tem energia e área, mas precisamos discutir tributação para garantir competitividade.”
Para Débora, da Vivo, os investimentos no País devem passar por impostos, infraestrutura, devices mais baratos, energia e espaço. “Temos que falar de incentivos à indústria nacional e segurança jurídica para os dados”, disse. Ela lembrou que a Vivo já cobre 66% do Brasil com 5G e tem mais de 30 milhões de locais com fibra disponível. “Seguimos investindo fortemente no ecossistema digital, incluindo cibersegurança e IoT. Hoje temos mais de 2,5 mil pessoas só nesse ecossistema.”
Cultura e adoção
Para além de tecnologia e regulação, os executivos reforçaram a dimensão cultural da transformação. Garcia contou a experiência da Algar: “Estamos vivendo uma evolução cultural. Criamos os AI influencers, colaboradores que disseminam a adoção de colegas virtuais dentro da companhia. Pode haver rejeição, mas a IA trará mais eficiência ao nosso dia a dia.”
Guaita completou lembrando dos riscos. “A principal barreira são os riscos envolvidos no uso da IA e a definição de guard rails. É preciso identificar as informações e onde estão, além de aspectos regulatórios que permitam aplicações adequadas”, disse.