PGR vai ao STF contra decisão que validou pejotização
A Procuradoria Geral da República ingressou no Supremo Tribunal Federal com recurso contra decisão que cassou acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT17) e envolve a “pejotização”. Para o PGR, deve ser mantido o entendimento da Corte regional, que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre um médico e um hospital em Colatina (ES), e condenou a Fundação Social Rural de Colatina, entidade responsável pela unidade de saúde, ao pagamento das verbas trabalhistas e à indenização. O processo tramita no Supremo sob a classificação de Reclamação 53.771.
Na origem, o médico acionou judicialmente o hospital requerendo o reconhecimento do vínculo empregatício, por entender estarem presentes os requisitos da subordinação, onerosidade, habitualidade e pessoalidade, previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para ele, a contratação ocorreu por meio de pessoa jurídica somente para fraudar a relação de emprego. O profissional era cirurgião oncológico e realizava semanalmente diversos procedimentos nas dependências do estabelecimento, atendendo exclusivamente pacientes encaminhados ao hospital, não dispondo de clientes próprios.
A Fundação, por sua vez, recorreu ao Supremo alegando violação ao decidido no julgamento conjunto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e no Recurso Extraordinário (RE) 958.252 (Tema 725 da Sistemática da Repercussão Geral). Na ocasião, o Plenário decidiu ser lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não ficando caracterizada relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada.
Para o PGR Augusto Aras, a decisão relatada pelo ministro Alexandre de Moraes se mostra equivocada, por dois fundamentos. Em primeiro lugar, o STF já consolidou ser inviável apresentação de reclamação contra decisão com repercussão geral reconhecida, quando ainda há possibilidade de apresentação de recursos nas instâncias inferiores. Conforme informações dos autos, a Fundação apresentou agravo de instrumento em recurso de revista junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), ainda pendente de julgamento. Portanto, a entidade acionou o STF antes do esgotamento das instâncias ordinárias, em contrariedade ao previsto no artigo 988, parágrafo 5º, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC).
O segundo motivo é a ausência de aderência estrita entre a decisão do TRT17 e o julgamento apontado como paradigma. Isso porque o debate na origem faz alusão à fraude e à relação de emprego, enquanto a decisão proferida pelo STF na ADPF 324 e a tese fixada no julgamento do Tema 725 referem-se à possibilidade de terceirização de atividade-fim da empresa tomadora. “O STF reconheceu a licitude da terceirização de atividade-fim ou de atividade-meio, em atenção aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, não excluindo a possibilidade de reconhecimento de fraude à lei em contextos concretos de utilização da terceirização de modo irregular, para burlar a legislação trabalhista”, afirma Aras.
A possibilidade de reconhecimento do vínculo de emprego em caso de fraude na terceirização já foi ressaltada pelo STF em outros julgamentos. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.625, a Corte reconheceu a constitucionalidade da Lei 13.352/2016 (Lei do Salão-Parceiro), e, por conseguinte, a validade dos contratos de parceria celebrados entre o estabelecimento e os trabalhadores do ramo da beleza, que podem ser qualificados como pequenos empresários, microempresários ou microempreendedores individuais. Os ministros do Supremo entenderam que a formalização do contrato não impede o reconhecimento do vínculo de emprego quando presentes os seus elementos caracterizadores.
Na ADI 3.961, afastou-se validade de contrato de prestação de serviços autônomos de transporte rodoviário de cargas quando se verificar que o motorista esteja trabalhando sob os requisitos do vínculo de emprego. “A decisão proferida pelo TRT da 17ª Região, ao reconhecer o vínculo de emprego entre o beneficiário e a reclamante, manteve-se dentro dos limites estabelecidos pelo Supremo no julgamento da ADI 3.961/DF, pois o fez em razão de ter constatado a prática de fraude devido ao fato de o trabalhador prestar serviços submetido aos pressupostos da relação de emprego”, acrescenta.
* Com informações do MPF