Real Digital: está na hora de os bancos sujarem a mão de graxa
O piloto do RD com 16 projetos começa a deslanchar a partir da próxima semana, e, como muito discutido na FEBRABAN TECH 2023, a ansiedade é com a criação de casos de uso no ambiente real do País.
O Banco Central ampliou para 16 as propostas de testes do Real Digital, cujas atividades começam a partir da próxima semana. Como destacado durante o FEBRABAN TECH 2023, em debates nesta quarta, 28/6, os olhares agora estão para os casos de uso, ou seja, em transformar o avanço tecnológico em produtos e serviços efetivos.
“A priorização de casos de uso é o ponto chave do piloto do Real Digital. Vamos testar os principais componentes. O primeiro deles é o próprio Real Digital. A CBDC é um passivo do Banco Central, um token para a gente liquidar transações no ambiente interbancário. Quando a gente fala de Real Digital, não será no varejo. O cliente não vai ter acesso ao token do Real Digital. Mas terá ao segundo componente, que é o real tokenizado, que vai ser a moeda a que o cliente do varejo vai ter acesso. Então, é importante testar pontos críticos de privacidade e sigilo bancário”, ressaltou a coordenadora para CBDC e Crypto do Itaú Unibanco, Larissa Moreira.
A questão, ressaltou, é identificar o que merece ser tokenizado. “A tecnologia habilita a possibilidade de tokenizar tudo, mas nem tudo vale à pena. Esse é um ponto chave que a gente precisa mergulhar e identificar. E só vamos identificar de fato com as experimentações”, disse Larissa Moreira, ao lembrar que isso abre caminho para ampliar o acesso aos serviços financeiros.
“A gente vê no mercado cripto, que tem isso intrínseco à tecnologia, tanto de acesso como de democratização. Então esse ponto é a possiblidade aberta pela tecnologia de fracionar ativos. Um CDB que compro de R$ 1 mil pode interessar um cliente a investir R$ 10. O que acontece com um título público pode acontecer com outros ativos. Isso abre um leque de possibilidades no mundo dos ativos financeiros e do mercado de capitais.”
O aprendizado esperado com o piloto é o começo daquilo que o head de ativos digitais e blockchain do Santander Brasil, Jayme Chataque, chama de “sujar a mão de graxa”. “Vamos conseguir, no Banco Central, administrar uma conta reserva, em moeda oficial, tokenizada, de forma que quando o cliente assumir um compromisso de depósito à vista tokenizado, terá segurança que o compromisso será assumido pelas instituições financeiras do devedor e do credor. Nesse caso, o Real Digital funciona como lastro para dar garantias aos ativos digitais que estamos construindo. A grande expectativa é sairmos da teoria para a prática. Os debates ideológicos são bons, mas está na hora de a gente sujar a mão de graxa e testar o Real Digital no ambiente brasileiro”, afirmou.
Ou, como reforçou Leandro Vilain, sócio da prática de Serviços Financeiros da Oliver Wyman Brasil, entender para que realmente serve a moeda digital do Banco Central (CBDC). “O que temos para a frente é sentarmos e avaliarmos como aplicar casos de uso para o dia a dia dos consumidores. A tokenizacao dos depósitos é um passo super relevante. Mas temos que sair da discussão de tecnologia para ver os casos de uso e como isso vai beneficiar o consumidor na ponta. Identificar para que serve. A ferramenta é muito poderosa e tem uma diversidade muito grande. Então será importante identificar prioridades.”
A proposta em si das moedas digitais oficiais já ganhou o mundo, lembrou a sócia líder de Blockchain e Cripto da EY Brasil, Thamilla Talarico. Ela destacou que “as CBDCs são essenciais para a nova estrutura do mercado financeiro, para a economia tokenizada regulada. Temos mais de 95% do PIB mundial estudando adoção de CBDCs em diferentes estágios de implementação, e em cada país temos visto o uso para resolver um problema diferente. O Brasil representa um modelo que olha para a CBDC como fomento a novos modelos de negócio, que vão incorporar a programabilidade do dinheiro e o que isso pode gerar [em termos de] novos produtos e serviços financeiros e inclusão financeira.”
E essa inclusão é o objetivo final, como destacado pelo coordenador do projeto do Real Digital no Banco Central, Fabio Araujo. “Conseguimos colocar o PIX de pé em 18 meses porque temos muita expertise nisso. Mas quando se vai para o ambiente de registros descentralizados e o potencial nos serviços financeiros, muda a forma de pensar. Não basta conhecer o sistema financeiro, conhecer programação ou a teoria da DLT [distributed ledger technology]. Precisa entender como criar vantagens a partir dessa tecnologia. Isso é um passo que precisa de gente que entenda blockchain, não só para programar, mas para o que se pode fazer com isso. É um processo de feedback. A gente dá um passo, o mercado aprende, o regulador aprende, dá mais um passo. E o que a gente quer não é o mundo de hoje com tecnologia nova, mas sim o mundo da tecnologia nova. Isso exige aprendizado de quem cria, regula e oferece produtos.”