Com prioridade pra TVs, Anatel divide sobras de R$ 1,4 bilhão da TV Digital
Ao fim de dois anos de intensas disputas entre emissoras de televisão e operadoras móveis, a Anatel aprovou na quinta, 26/11, a destinação das sobras de R$ 1,38 bilhão em dinheiro aportado por meio do leilão do 4G para a implantação da TV Digital no Brasil. No rateio, a vitória da radiodifusão foi completa, ao ganhar prioridade no projeto de financiar a digitalização de 1,7 mil pequenos municípios onde a transmissão continuou analógica.
A costura, aprovada por unanimidade no Conselho Diretor da agência, foi feita pelo superintendente de competição e conselheiro substituto Abraão Balbino e Silva. Ela prevê reservar parte das sobras, R$ 297 milhões, para missões restantes e contingências eventuais da EAD, a empresa criada como braço operacional da digitalização – sendo R$ 161 milhões para pendências do processo de digitalização e R$ 136 milhões como reserva de segurança.
Dos cerca de R$ 1 bilhão restantes, R$ 658 milhões – além de 700 mil kits de conversores digitais – serão destinados ao projeto apresentado pelas emissoras de TV, que prevê digitalizar transmissão e recepção nos 1.710 municípios menores que não foram incluídos na transição digital encerrada em 2018 – e que supostamente ficarão sem sinal nenhum a partir de 2023.
Esse projeto tem custo total estimado em R$ 844 milhões, mas parte dos recursos só será destinada em uma segunda etapa, lá para 2022, com dinheiro que, espera-se, vai sobrar daquela reserva de contingência da EAD e de uma segunda reserva dos chamados ‘projetos adicionais’. A ideia é que não falte dinheiro para concluir a transição digital da televisão, como defendem tanto as emissoras privadas como públicas (leia-se, EBC e canais do Legislativo).
Outra parte do dinheiro será destinada ao projeto do Ministério das Comunicações (na verdade, a reciclagem de um antigo projeto do Exército e da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa) de implantar redes de fibra óptica pelo leito dos rios amazônicos. Repaginado como Programa Amazônia Integrada e Sustentável, PAIS, ele já teve duas etapas iniciais concluídas, na primeira encarnação como ‘Amazônia Conectada’, com fibras entre Manaus e Tefé. Restam oito etapas de um projeto que no todo envolve 10 mil km de fibras subaquáticas.
A proposta aprovada pela Anatel prevê a possibilidade de financiar três delas, o que custaria R$ 528 milhões, mas inicialmente será destinado dinheiro apenas para a primeira, R$ 162 milhões. O desenho prevê uma reserva de R$ 267 milhões, que prioritariamente deve complementar o projeto da radiodifusão, mas que pode sobrar para o projeto das fibras na Amazônia. Portanto, a partida é R$ 658 milhões (TV) + R$ 162 milhões (fibra) + R$ 267 milhões (reserva), somando os R$ 1,08 bilhão a serem rateados.
O arranjo passou por unanimidade. O conselheiro Moisés Moreira, que também preside o Gired, o grupo que reúne teles e TVs e a ao qual coube indicar os projetos para uso do saldo, disse ser uma proposta “sólida e factível”. Carlos Baigorri destacou ser uma solução “de equilíbrio entre todas as partes”. Emmanoel Campelo realçou a “delicada convergência” e o presidente da agência, Leonardo Morais, festejou que o colegiado foi “sensível ao chamamento consensual”.
Para tanto, porém, a derrota das teles móveis foi total. Elas recorreram contra os projetos indicados e o pleito foi negado. As duas propostas que apresentaram, de usar o dinheiro em suas próprias redes 4G e em bloqueadores de sinais em presídios, foram descartadas. Mas o principal revés foi na decisão da agência de manter a empresa criada pelas operadoras vencedoras do leilão dos 700 MHz em 2014, a EAD, não apenas ativa mas como responsável direta pela implantação da rede de fibra no Amazonas a ser financiada com as sobras.
Esse ponto, por sinal, é a principal dúvida que fica com a decisão da agência. Pois resta definir como será feita a reversão à União da infraestrutura que será construída na Amazônia, além de como será a própria governança da EAD, criada por Vivo, Claro, TIM e Algar como parte das condições do leilão do 4G de 2014. A Anatel indicou que as respostas devem ser dadas pelo Ministério das Comunicações.
Às teles, resta torcer que a compensação venha logo dobrando a esquina, com a Anatel decidindo favoravelmente a elas – em prejuízo do que querem as emissoras de TV – no custeio da mitigação de interferências do 5G nas antenas parabólicas, a ser previsto no leilão esperado para meados de 2021.