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Energia, tributos e soberania: os desafios da política nacional de data centers

O Redata, política do governo, abre espaço para a atração de investimentos, mas ainda há várias questões a serem resolvidas. Especialistas temem o viés político na formulação dos benefícios.

O debate sobre a política nacional de data centers ganhou novo fôlego com a tramitação da Medida Provisória do Redata, enviada ao Congresso pelo governo federal. A proposta, que busca criar um marco regulatório para o setor, abre espaço para atrair investimentos bilionários, definir regras fiscais e garantir a soberania digital brasileira. Mas, como ressaltaram representantes de governo e iniciativa privada durante a Futurecom 2025, o caminho está longe de ser simples: envolve desafios fiscais, energéticos, regulatórios e de infraestrutura.

“Foi um processo longo, mais de dois anos de conversas com o governo”, lembra Afonso Nina, presidente da Brasscom. Segundo ele, a MP resulta de um esforço articulado entre diversos ministérios e o setor privado, que evoluiu a partir de um primeiro documento entregue há um ano. “O Redata em si não resolve tudo, há toda uma parte infra legal: decretos, regulamentações e portarias formam um trabalho que deve ser feito em paralelo à tramitação do projeto”, explicou. Para Nina, a proposta deve ser blindada de vieses políticos, pois representa “um salto gigantesco no mercado global de processamento de dados”.

Se a perspectiva é promissora, a questão tributária se mostra um dos maiores entraves. Marcos Siqueira, CRO (Chief Revenue Office) e head de estratégia da Ascenty, destaca que os impostos estaduais podem definir o futuro do setor. “À medida que um governador aceitar e implementar, é quase sem volta: todos os outros governos caminharão na mesma direção se quiserem atrair data centers”, afirma, lembrando que a construção de um único data center envolve cerca de US$ 1 bilhão em infraestrutura e pode atrair até US$ 7 bilhões adicionais de clientes e serviços, com contratos que duram décadas.

Thiago Camargo Lopes, vice-presidente da InvestSP, trouxe uma visão mais cautelosa. Segundo ele, São Paulo foi pioneiro em oferecer regime fiscal diferenciado, mas o modelo não prosperou. “A partir de 2023 atraímos R$ 520 bilhões em investimentos, dos quais quase R$ 110 bilhões vieram só de data centers. No entanto, apenas uma empresa aderiu ao regime diferenciado, o que nos levou a encerrá-lo”, disse.

O executivo lembrou que há resistência de estados como o Ceará, que questionam a desoneração fiscal para estruturas que geram poucos empregos diretos em comparação ao montante investido. “Estamos falando de eliminar impostos para criar infraestrutura digital para outros países”, completa.


Para Lopes, a discussão não deve se limitar a impostos: “A questão tributária é só uma ponta. Por exemplo, é com esse dinheiro que fazemos investimentos em formação de mão de obra. Precisamos discutir prazos, e São Paulo defende que sejam pelo menos de 10 anos”.

Energia e infraestrutura

Siqueira reforça que, sem desoneração fiscal, o Brasil corre o risco de perder investimentos estratégicos. “O mercado brasileiro precisa de data centers para hospedar cloud e para o Entreprise. Hoje menos de 40% das empresas utilizam data centers comerciais. Se não destravarmos essas pautas, vamos comprometer os serviços oferecidos à população”, alerta.

Mas a energia desponta como preocupação central. Juliano Stanziani, diretor de política setorial do Ministério das Comunicações, destacou que o governo já trabalha em um plano mais abrangente. “Temos política de cibersegurança, o Redata e outras iniciativas. O desafio é coordenar tudo isso. A política de data centers precisa ir além do regime fiscal, contemplando localização estratégica, edge e cabos submarinos”, explica.

Lopes, da InvestSP, concorda que o debate não pode ficar refém da pauta tributária. “Mais importante é discutir energia. Hoje, a transmissão de energia é um problema no Brasil. A capacidade de geração existe, mas a transmissão não acompanhou o crescimento da geração distribuída. Esse será um gargalo nacional em pouco tempo”, diz. Ele lembra ainda que data centers não podem operar com intermitência, o que exige soluções robustas em geração e transmissão.

Outro ponto de atenção é a democratização da infraestrutura. Rodolfo Fucher, vice-presidente do Conselho da ABES, defendeu a importância de pequenos data centers regionais. “Antigamente falávamos em levar energia a todas as cidades. Hoje, o data center é essencial para a competitividade das empresas. Se a infraestrutura for cara ou inacessível, não teremos soberania digital”, afirma.

Ele alerta que, até 2030, os data centers devem representar 4% do consumo de energia no País. “Temos que garantir capacidade de processamento para todos e evitar que essa oportunidade se transforme em problema”, diz.

Essa visão é compartilhada pelo executivo da InvestSP, que ressaltou a necessidade de interiorização. “Todos querem se instalar na mesma região, mas precisamos expandir para o interior. Em alguns locais, a transmissão de energia já é um gargalo não apenas para data centers, mas para outras indústrias também”, afirma Lopes.

O papel da sustentabilidade

O tema energético também mobiliza especialistas do setor. Marcos Arrais, da Dataprev, lembrou que o desafio não é exclusivo do Brasil. “Nos Estados Unidos estão sendo construídos cerca de 400 data centers, todos próximos a fontes geradoras. É um desafio global, mas o Brasil tem uma das melhores matrizes energéticas do mundo”, destaca.

Nina, da Brasscom, reforçou a importância de encarar a questão técnica. “Nosso estudo mostrou que, em 2024, 1,7% da energia foi consumida por data centers, e até 2030 deve chegar a 4%. O problema não é geração, mas transmissão”, afirma. Em relação ao uso da água, ele minimizou riscos: “Cerca de 80% da base instalada já usa circuitos fechados, e entre os novos data centers, esse número deve chegar a 90%. O consumo hídrico será de apenas 0,008% da água disponível. Podemos ficar tranquilos: data centers não vão acabar com a água ou a energia do Brasil”.

Apesar das divergências, há consenso sobre o potencial transformador da política nacional de data centers. Para Stanziani, do Ministério das Comunicações, trata-se de um passo fundamental para a digitalização da economia. “O cidadão precisa de acesso à rede e soluções que funcionem. Os data centers são parte desse quebra-cabeça, e precisamos pensar em uma política que una soberania digital, competitividade e inclusão”, conclui.

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