Fake News: regras de transparência não podem ser inimigas da privacidade
As regras de transparência previstas no projeto de lei das fake news (PL 2630/20) foram elogiadas por representantes da sociedade civil, no segundo debate na Câmara dos Deputados sobre a proposta do Senado, nesta quarta-feira (15). Entre as regras criadas pela proposta, está a determinação de que as redes sociais e os serviços de mensagem privadas divulguem relatórios trimestrais de transparência, informando o número de usuários e posts excluídos, por exemplo; identifiquem robôs (bots) e conteúdo publicitário ou impulsionado.
Integrante da Coalizão Direitos na Rede, a advogada Flávia Lefévre avalia que, em relação às regras de transparência, “o PL 2630/20 está totalmente aderente à defesa do consumidor”. Ela elogiou especialmente a determinação de que as empresas divulguem ao público os relatórios trimestrais de transparência, que serão avaliados pelo Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet. Mas pediu mais ênfase à divulgação das práticas de gerenciamento de conteúdo pelas plataformas a partir do uso de dados pessoais dos usuários.
Segundo Flávia, a atual crise de desinformação tem origem não só na atuação de criminosos, mas nos próprios modelos de negócios das plataformas. Ela explicou que as redes sociais, a partir da apropriação de dados pessoais dos usuários e do registro de navegação deles, formam perfis de usuários e, por sistemas de algorítimos, direcionam a eles notícias, propaganda comercial e política. Para ela, essas práticas estão diretamente relacionadas à desinformação, precisam ser reguladas, e as empresas precisam ser responsabilizadas por suas práticas comerciais de gerenciamento de conteúdo.
“As milícias digitais e fábricas de desinformação conseguem ampliar suas campanhas justamente porque dominam o modo de gerenciamento dos conteúdos das plataformas”, disse. Como exemplo, a advogada citou o uso conjunto de dados do Facebook e do serviço do WhatsApp – pertencentes ao mesmo grupo econômico – para promover campanhas de desinformação nas eleições de 2018. E citou, para demonstrar o poder de mercado e de controle das plataformas, pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, segundo a qual 70% dos vídeos visualizados no YouTube são vistos por recomendação da plataforma.
Marina Pita, do Coletivo Intervozes, citou como positivas as regras de transparência em relação à identificação de robôs e de publicidade pelas plataformas. “Essa informação tem de estar visível ao usuário”, disse. Para ela, as regras de transparência foram “muito bem colocadas no projeto” e vão reforçar a autonomia do usuário e ajudar a desmontar as redes de desinformação. Ela concorda com a divulgação ao público das ações de moderação de conteúdo feitas pelas plataformas, mas discorda que as empresas sejam obrigadas a moderar conteúdo, o que, na sua visão, poderia afetar a pluralidade de ideias e a liberdade de expressão.
O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio) ,Ivar Hartmann, acredita que as plataformas não devam ser “polícia da liberdade de expressão”, decidindo o que é discurso de ódio e o que é ou não fake news, por exemplo. “Essa é uma preocupação legítima de deputados tanto de direita quanto de esquerda”, ponderou. Porém, ressaltou que as regras de transparência previstas no projeto não ferem a liberdade de expressão e são positivas. “Hoje não temos ideia da quantidade de usuários banidos ou conteúdos removidos e das causas para remoção de posts e perfis”, criticou.
Maria Marinho, do Instituto Liberdade Digital, observou que a transparência não deve ser inimiga da privacidade. Ela concorda com as regras de transparência, mas pediu a retirada do texto do dispositivo que obriga os serviços de mensagem, como o WhatsApp, a guardar por três meses as mensagens encaminhadas em massa (enviadas por mais de 5 usuários num período de 15 dias e recebidas por mais de mil pessoas). Para ela, esse ponto pode afetar a privacidade do usuário, além de vulnerabilizar a segurança dessas informações, possibilitando que sejam usadas até mesmo contra os usuários.
* Com informações da Agência Câmara