Human Rights Watch cobra ação da ANPD sobre sites educacionais que monitoram crianças

Sites educacionais direcionados a estudantes brasileiros, incluindo dois criados por secretarias estaduais de educação, vigiaram crianças e adolescentes e coletaram seus dados pessoais, disse hoje a Human Rights Watch. O Brasil deveria revisar a legislação de proteção de dados do Brasil para adicionar novas salvaguardas para proteger crianças e adolescentes online.

A investigação conduzida pela Human Rights Watch em novembro de 2022 e revisada em janeiro de 2023 descobriu que sete sites educacionais extraíram e enviaram dados de crianças e adolescentes para empresas terceirizadas, usando tecnologias de rastreamento projetadas para publicidade. Os sites são: Estude em Casa, Centro de Mídias da Educação de São Paulo, Descomplica, Escola Mais, Explicaê, MangaHigh e Stoodi. Um oitavo site, Revisa Enem, enviou os dados de crianças e adolescentes para uma empresa terceirizada, porém sem usar rastreadores específicos de anúncios.

Esses sites não apenas monitoraram os estudantes dentro de suas salas de aula virtuais, mas também os acompanharam enquanto navegavam pela Internet, fora do horário de aula, mergulhando profundamente em suas vidas privadas.

“Crianças e adolescentes, bem como suas famílias são mantidas no escuro sobre a vigilância de dados praticada em salas de aula online”, disse Hye Jung Han, pesquisadora de tecnologia e direitos da criança da Human Rights Watch. “Em vez de proteger crianças e adolescentes, governos estaduais permitiram deliberadamente que qualquer pessoa as vigiasse e coletasse suas informações pessoais online”.

Para a entidade, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) deveria impedir esses ataques à privacidade de crianças e adolescentes. Deveria exigir que essas empresas e governos estaduais excluam os dados de estudantes que foram coletados desde a pandemia e impedir que continuem usando esses dados para qualquer finalidade não relacionada à oferta de educação.


A Constituição Federal protege o direito à privacidade. O Brasil também ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que confere às crianças e adolescentes proteções especiais que resguardam sua privacidade.

Inicialmente, as secretarias de educação dos estados de Minas Gerais e de São Paulo autorizaram o uso desses sites durante a pandemia de Covid-19, e eles permanecem em uso até hoje. A Human Rights Watch relatou em maio de 2022, que no Brasil, esses e um outro site infringiram a privacidade de crianças. Após essa investigação, um site, o DragonLearn, foi retirado do ar.

A Human Rights Watch descobriu que cinco sites aplicaram técnicas de rastreamento particularmente intrusivas para vigiar estudantes de forma invisível e de maneiras impossíveis de se evitar ou se proteger.

Os guias de estudo e vídeos do Escola Mais foram endossados pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo para estudantes do ensino fundamental durante o fechamento das escolas devido à Covid-19. O website anuncia agora aulas presenciais orientadas pela tecnologia para estudantes do ensino fundamental e médio.

A Human Rights Watch descobriu o uso de gravação de sessão pelo Escola Mais, uma técnica que permite que terceiros assistam e registrem o comportamento de um usuário em uma página da web. Isso inclui cliques do mouse e movimentos em sites – o equivalente digital a câmeras de monitoramento registrando sempre que uma criança coça o nariz ou pega o lápis na sala de aula.

Tipicamente, um terceiro examina os dados coletados para definir um padrão de usuário, ou seja, qualificar sua personalidade, suas preferências e o que essa pessoa provavelmente fará a seguir. O Escola Mais não respondeu a quatro pedidos de esclarecimento encaminhados pela Human Rights Watch.

A Human Rights Watch também descobriu que, de 2021 a 2023, sites educacionais pertencentes e operados pelas próprias secretarias de educação de Minas Gerais e São Paulo enviaram dados pessoais de crianças e adolescentes para empresas de tecnologia de publicidade. Ambos os sites continuam sendo atualizados regularmente com videoaulas e materiais para estudantes.

Em resposta à investigação da Human Rights Watch, a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais prontamente removeu todo o rastreamento de anúncios de seu site. Esse avanço positivo demonstra que é possível construir e oferecer serviços educacionais para crianças e adolescentes que não comprometam seus dados e sua privacidade.

A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo continua endossando o uso de sete sites educacionais que coletam indevidamente dados pessoais de estudantes, inclusive sites desenvolvidos pela própria Secretaria. Esta Secretaria não respondeu a quatro pedidos de esclarecimento da Human Rights Watch.

A Human Rights Watch também descobriu que quatro desses sites rastreiam crianças e adolescentes com mais intensidade do que normalmente um adulto é rastreado ao navegar na Internet.

Com a exceção do site Revisa Enem, todos os outros examinados pela Human Rights Watch coletaram grandes quantidades de dados de crianças e adolescentes e os enviaram para empresas especializadas em publicidade comportamental, o que envolve a análise dos dados dos estudantes para prever o que eles podem fazer em seguida ou como eles podem ser influenciados. Os anunciantes podem usar essas informações para direcionar conteúdo personalizado e anúncios para crianças e adolescentes que as seguirão pela Internet.

A criação de perfis, o direcionamento e a publicidade para crianças e adolescentes nestes moldes violam de forma inadmissível sua privacidade, pois não são ações proporcionais ou necessárias para que esses sites funcionem ou forneçam conteúdo educacional. Estas ações também podem violar outros direitos de crianças e adolescentes se essas informações forem usadas para orientá-las em direção a consequências prejudiciais ou contrárias aos seus interesses. Essas práticas também desempenham um papel significativo na formação das experiências online de crianças e adolescentes e na determinação das informações que eles acessam, em um momento de suas vidas em que suas opiniões e crenças correm alto risco de interferência manipuladora.

Os estudantes não tinham como se opor a essa vigilância de forma significativa durante o fechamento das escolas devido à pandemia da Covid-19. Como esses sites foram temporariamente oferecidos gratuitamente e amplamente divulgados às escolas pelo governo, muitas adotaram seu uso. Era impossível para muitas crianças optarem pelo não rastreamento sem abrir mão do aprendizado formal como um todo.

Nem a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais nem a de São Paulo parecem ter verificado se os sites que estavam endossando eram seguros para uso infantil. Mesmo com a reabertura das escolas, a divulgação desses sites pelos governos estaduais durante a pandemia abriu caminho para seu uso contínuo por estudantes e escolas.

Continua a ser negado às crianças e aos adolescentes o conhecimento para desafiar ou proteger-se contra essas invasões à sua privacidade: nem as autoridades estatais nem as empresas divulgaram plenamente as suas práticas de rastreamento, que permanecem invisíveis para usuários.

Embora a decisão do governo do estado de Miras Gerais de remover toda a vigilância de dados de seu site educacional seja positiva, a proteção da privacidade das crianças brasileiras não deveria variar de estado a estado; os estudantes tampouco podem depender da boa vontade de empresas e governos. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais não oferece proteção suficiente para crianças e adolescentes. Ela não proíbe explicitamente que atores explorem informações de crianças e adolescentes ou exige que forneçam alto nível de segurança e proteção.

Os legisladores deveriam promover adequações na lei para estabelecer regras abrangentes de proteção de dados infantis, incluindo a proibição de publicidade comportamental e o uso de técnicas de rastreamento intrusivas para crianças e adolescentes. Essas regras também deveriam exigir que todos os atores que ofereçam serviços online para crianças e adolescentes – incluindo aprendizado virtual – forneçam os mais altos níveis de proteção de dados e de privacidade às crianças e adolescentes.

“Crianças e adolescentes não deveriam ser coagidos a abrir mão de sua privacidade para aprender”, disse Han. “O Brasil deveria adotar urgentemente salvaguardas de proteção de dados para impedir a vigilância de crianças e adolescentes online”.

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