
Por Marco Evangelista*
A adoção da Inteligência Artificial (IA) por governos tem crescido de forma exponencial em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Agentes de IA vêm sendo incorporados a processos públicos com o objetivo de automatizar tarefas repetitivas, melhorar a alocação de recursos e ampliar o acesso a serviços essenciais. O estudo “Inteligência Artificial na administração pública: perspectivas e impactos na sociedade”, publicado no International Journal of Scientific Management and Tourism, aponta que o uso estratégico da IA na esfera governamental pode gerar ganhos expressivos de produtividade e qualidade no atendimento, desde que amparado por políticas claras de governança e mitigação de riscos.
O governo brasileiro investe mais de 32 bilhões de reais por ano em tecnologia, hospedada em mais de 140 datacenters distribuídos pelo território nacional. Entretanto, a economia movimentada pelos 22 programas do Governo Federal, que abrangem áreas como assistência social e educação, é muito maior do que isso: são mais de 2 trilhões de reais por ano em fundos, incentivos e investimentos diretos.
Os benefícios operacionais desse investimento já são evidentes: análise em larga escala de dados administrativos, priorização automatizada de demandas, triagem inteligente de casos e apoio à tomada de decisão baseada em evidências. Áreas como saúde, segurança pública, educação e gestão tributária têm demonstrado grande potencial de transformação.
Um exemplo concreto está na detecção de inconsistências no Cadastro Único por meio de algoritmos que cruzam grandes volumes de dados, otimizando o combate a fraudes em programas como o Bolsa Família. Na segurança pública, a IA já permite antecipar padrões de criminalidade e apoiar ações preventivas com maior precisão. Na educação, soluções baseadas em IA têm ajudado professores e gestores a monitorar o desempenho dos alunos em tempo real, permitindo intervenções mais eficazes.
Contudo, essa transformação não está isenta de desafios. A adoção da IA no setor público impõe questões relevantes em termos de privacidade, responsabilidade e segurança. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece diretrizes claras para o uso responsável de dados, especialmente no caso de modelos de linguagem de larga escala (Large Language Models, ou LLMs) hospedados em infraestruturas estrangeiras, onde os dados podem estar sujeitos a políticas comerciais e regulatórias externas.
Isso compromete a soberania digital e aumenta os riscos de exposição indevida de informações sensíveis. Casos recentes de uso de reconhecimento facial, por exemplo, evidenciam os impactos éticos e legais de tecnologias aplicadas sem critérios claros de finalidade, consentimento e supervisão, ressaltando a urgência de estruturas robustas de governança e transparência no uso da IA.
A soberania digital, portanto, torna-se um vetor estratégico. Governos devem assegurar que dados públicos críticos permaneçam sob sua custódia e estejam hospedados em ambientes que respeitem a legislação nacional.
Um exemplo claro é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que armazena os dados e a totalização dos votos dos cidadãos em programas específicos, sem conexão com a internet, em dois supercomputadores protegidos dentro de uma sala-cofre no próprio tribunal, afastados de qualquer intervenção humana. A tecnologia e as atualizações são fornecidas pela Oracle, mas todo o gerenciamento é realizado pelo TSE.
Nuvens soberanas, que atendem aos requisitos legais e regulatórios locais e garantem a residência e a governança nacional dos dados, já vêm sendo adotadas por diversos órgãos públicos como alternativa segura. Essa abordagem permite escalar o uso de IA sem renunciar à proteção institucional e à conformidade regulatória.
No cenário internacional, um exemplo emblemático é o Projeto Stargate, nos Estados Unidos, com um investimento de 500 bilhões de dólares, voltado à construção de uma infraestrutura massiva de IA com foco em soberania tecnológica, segurança de dados e inovação de ponta. Além dos EUA, países como Arábia Saudita, Reino Unido, Japão, Malásia e Espanha também estão implementando estratégias similares, reconhecendo o papel estratégico da IA soberana no futuro das administrações públicas.
É preciso reconhecer: o uso da IA no setor público não é apenas inevitável, mas a garantia de relevância no novo cenário econômico e geopolítico mundial. No entanto, sua implementação deve ser guiada por uma estrutura de governança sólida, com ênfase na proteção e soberania dos dados, transparência e responsabilidade institucional. Isso exige investimento em capacitação técnica dos servidores, fortalecimento de fornecedores nacionais e a criação de marcos regulatórios específicos para IA, que considerem as particularidades do setor público.
A construção de um Estado mais ágil, transparente e eficiente passa, necessariamente, pela Inteligência Artificial, com responsabilidade, ética e visão de futuro.
(*) Marco Evangelista é Head de Vendas para Setor Público na Oracle Brasil, com mais de 15 anos de experiência em liderança de negócios no setor de tecnologia. Atuou na Huawei e na SAP em posições estratégicas voltadas aos setores financeiro e público. Desde 2015 na Oracle, liderou equipes de vendas em Big Data & Analytics e, atualmente, comanda a operação de setor público da empresa no Brasil, conectando inovação tecnológica a resultados concretos de negócio.