Perícia do MPF diz que licenciamento para data center do TikTok é irregular e insuficiente
Entre as falhas apontadas estão a ausência de comprovação da viabilidade hídrica do empreendimento, o fracionamento indevido do processo de licenciamento ambiental e a omissão dos impactos cumulativos e sinérgicos das estruturas associadas, como a linha de transmissão de 230 kV, a subestação elétrica, os geradores a diesel e seus sistemas de armazenamento de combustível, o sistema de resfriamento e a estação de tratamento de esgoto.

Um laudo, elaborado pelo Centro Nacional de Perícia do MPF, conclui que o mega data center do TikTok, em Caucaia (CE) — com potência instalada de até 300 MW, consumo de energia superior ao de 99% das cidades brasileiras, e uso diário de cerca de 88 mil litros de água — não poderia ter sido licenciado por meio de Relatório Ambiental Simplificado (RAS). Segundo a perícia, a magnitude do projeto exige Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), audiências públicas e ampla participação social. O data center do TikTok foi comprado pelo grupo Pátria em negócio estimado em mais de R$ 50 bilhões.
A perícia foi determinada no contexto de representações apresentadas ao Ministério Público Federal, incluindo uma iniciativa anterior já constante nos autos e, posteriormente, a manifestação apresentada por lideranças do povo indígena Anacé, junto às organizações Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), Instituto Terramar, Laboratório de Políticas Públicas e Internet (Lapin), Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar e Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec), que alertaram o MPF para os riscos socioambientais, energéticos, hídricos e territoriais do empreendimento, além das irregularidades no processo de licenciamento conduzido pela Semace.
Entre as falhas apontadas pelo perito estão a ausência de comprovação da viabilidade hídrica do empreendimento, o fracionamento indevido do processo de licenciamento ambiental e a omissão dos impactos cumulativos e sinérgicos das estruturas associadas, como a linha de transmissão de 230 kV, a subestação elétrica, os geradores a diesel e seus sistemas de armazenamento de combustível, o sistema de resfriamento e a estação de tratamento de esgoto. O laudo afirma ainda que a licença foi concedida sem outorga de uso da água, em afronta aos princípios constitucionais da prevenção e da precaução ambiental, bem como o dever de proteção adequada do meio ambiente.
Essas falhas, segundo o próprio MPF, não afetam apenas os territórios diretamente impactados, mas também geram prejuízos ao consumidor brasileiro, ao agravar a escassez hídrica, intensificar a vulnerabilidade climática e pressionar sistemas essenciais como água e energia. Em um cenário de fragilidade hídrica na região, a instalação de um empreendimento altamente intensivo em recursos naturais, sem estudos técnicos adequados, pode ampliar riscos de insegurança alimentar, encarecer serviços essenciais e aprofundar desigualdades no acesso a bens básicos.
As organizações afirmam que, embora o laudo aponte de forma clara os problemas no licenciamento ambiental, ele deixou de tratar de uma falha central: a falta de consulta às comunidades indígenas e tradicionais da região. O atual projeto prevê apenas reuniões comunitárias posteriores à emissão da licença, quando as obras estiverem em andamento, esvaziando completamente o direito à consulta.
O próprio laudo admite que esse ponto ficou fora da análise, por ter sido atribuído à Assessoria Nacional de Perícia em Antropologia (ANPA). Isso, no entanto, não reduz a gravidade do problema — pelo contrário, mostra que o licenciamento avançou sem respeitar um direito básico dessas comunidades. O Ministério Público Federal reforça esse entendimento ao defender a anulação da licença e a realização da consulta ao povo indígena Anacé antes de qualquer avanço do projeto.
De acordo com o IDEC, a perícia desmonta a narrativa de que esse é um empreendimento simples ou de baixo impacto. Agora, cabe aos órgãos públicos agir para suspender esse licenciamento e impedir que a expansão da infraestrutura digital no Brasil avance à custa de direitos, água e energia das comunidades.





