

O painel “Plano Nacional de IA e competitividade digital nacional”, realizado nesta quarta-feira, 01, durante a Futurecom 2025, reuniu representantes do governo, setor privado e academia para discutir os desafios e oportunidades da regulação e do fomento à inteligência artificial (IA) no Brasil, prevista no projeto de lei 2.338\2023, em tramitação no Congresso Nacional. O encontro, mediado por Luis Fernando Prado, consultor da Associação Brasileira de Inteligência Artificial, evidenciou que a construção de uma estratégia nacional exige equilíbrio entre legislação, investimentos em pesquisa e capacitação profissional.
Para Affonso Nina, presidente da Brasscom, a aprovação de uma lei que regule o uso de inteligência artificial é fundamental para dar clareza jurídica e criar condições para o desenvolvimento tecnológico no país. No entanto, ele alerta para pontos do projeto de lei que precisam ser revistos.
“É importante que o Brasil tenha uma boa legislação de IA, que dê segurança jurídica e fomente o desenvolvimento. O PL evoluiu no Senado, mas há pontos que ainda não estão adequados. Defendemos que a regulação foque mais no uso e aplicação do que no desenvolvimento em si, distinguindo modelos de IA de suas aplicações”, afirmou.
Entre os principais desafios destacados pela Brasscom estão a falta de diretrizes claras de fomento à inovação, a definição sobre avaliação de impacto algorítmico e os debates sobre direitos autorais em sistemas de IA generativa. Nina também ressaltou a conexão entre o PL e o Redata, medida provisória que destina parte dos investimentos em data centers para pesquisa e desenvolvimento: “Há um casamento importante para que os recursos sejam canalizados ao desenvolvimento de IA no Brasil”.
Já Andriei Gutierrez, presidente da ABES, demonstrou preocupação com a complexidade do texto vindo do Senado. Segundo ele, a proposta foi inspirada na União Europeia e construída sob a ótica da privacidade, sem contemplar as especificidades do ecossistema brasileiro.
“A IA é um objeto em movimento e não pode ser engessada. O projeto fala em agentes de IA, mas empodera um órgão central regulador, criando sobreposição com outros órgãos, como a Anatel e o Banco Central. Isso traz mais burocracia e sobrecarrega pequenas e médias empresas, que representam 77% dos nossos associados”, alertou. Gutierrez defendeu uma legislação mais flexível, que permita às agências de cada setor regularem a IA da forma mais adequada.
Na visão da Anatel, representada por Gustavo Nery, a regulação deve seguir um modelo principiológico, baseado em diretrizes gerais e colaborativas. “O setor de telecomunicações já viveu uma revolução com a expansão da conectividade, e conseguimos garantir avanços significativos. Com a IA não pode ser diferente: precisamos de uma regulação ampla e coordenada, que permita inovação e evite engessamentos”, destacou.
A coordenadora de governança digital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Eliana Emediato, apresentou os avanços do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que estrutura investimentos de R$ 23 bilhões em cinco eixos: infraestrutura e P&D, pessoas, serviços públicos, setor industrial e regulação.
“Desde 2019 temos trabalhado em estratégias de IA e, com o PBIA, passamos a ter um plano de investimentos efetivo. Já temos 56% das ações previstas em execução, como o edital do CNPq para criação de institutos nacionais de ciência e tecnologia focados em IA. Também estamos lançando o projeto IA Brasil, em parceria com CPqD, Serpro e Dataprev, que será um grande passo no uso da IA em serviços públicos”, afirmou.
Foco na capacitação
Ela ressaltou, porém, que a capacitação continua sendo o maior desafio: “O governo não consegue treinar sozinho na quantidade e velocidade necessárias. Precisamos da união entre setor público, privado e academia para formar pessoas em diferentes níveis de qualificação”.
No campo da formação, o Inatel, representado por seu diretor-geral Carlos Nazareth, destacou a necessidade de preparar profissionais para atuar em três frentes: uso de ferramentas de IA em diferentes verticais da economia, construção e manutenção da infraestrutura e desenvolvimento de soluções próprias.
“Se quisermos competitividade, precisamos investir em volume, aplicabilidade e foco em áreas estratégicas onde podemos ser líderes, como telecomunicações. E isso só será possível com profissionais capacitados e prontos para atuar na prática, em parceria com empresas”, afirmou, alertando ainda para a queda no número de profissionais no setor de telecomunicações, o que pode comprometer a execução de projetos no futuro.
A Brasscom, por sua vez, anunciou a assinatura de um acordo com o Senai nacional para criar uma formação em larga escala em gestão de infraestrutura, cibersegurança e inteligência artificial. Para Nina, essa é uma resposta imediata à necessidade de ampliar a base de talentos digitais no país.
Outro ponto recorrente no debate foi a infraestrutura tecnológica, considerada a base invisível da transformação digital. Segundo Gustavo Nery, da Anatel, o Brasil precisa preparar sua rede para acompanhar a rápida evolução da IA: “A infraestrutura muda todos os dias, e sem ela não conseguiremos avançar. Mas precisamos falar também da construção de capacidades: hoje, menos de 29% da população tem habilidades digitais básicas. Esse déficit compromete a adoção de novas tecnologias”.
Apesar das divergências sobre o texto do PL, os participantes convergiram em alguns pontos: a necessidade de um arcabouço regulatório que traga segurança sem sufocar a inovação, a importância de investimentos consistentes em pesquisa e infraestrutura e, sobretudo, a formação de profissionais capazes de sustentar o ecossistema digital brasileiro.
Para Andriei Gutierrez (ABES), a pressa pode ser inimiga de uma boa lei: “Não precisamos ter pressa na regulação de IA. O que precisamos é promover o debate e criar uma legislação que traga segurança jurídica para o mercado e para o cidadão”.
Já Eliana Emediato (MCTI) reforçou que o Brasil está em um momento decisivo: “Temos uma estratégia, temos um plano de investimentos e já vemos ações concretas em andamento. O desafio é unir esforços para que o país não apenas consuma, mas produza inteligência artificial”, disse.