InternetOpinião

A obrigatoriedade da outorga no SCM: impactos, benefícios e regularização

Coleta irregular dos dados irritou à Agência Reguladora que tomou as medidas cabíveis para regularizar o mercado.

Por Bárbara Castro Alves (*)

A possibilidade de que provedores de Internet de menor porte atuassem sem outorga foi um dos principais fatores que fez o número de acessos fixos no país saltar de 32,9 milhões no início de 2020 para 52,7 milhões em maio – último dado oficial. Essa flexibilização, porém, possibilitou que muitas das empresas beneficiadas não cumprissem diversas obrigações regulatórias, o que, entre outros, inviabilizava o dimensionamento do mercado, fazendo com que políticas públicas fossem formuladas a partir de dados incorretos. A irritação do regulador cresceu juntamente com seu constrangimento, por exemplo, a cada divulgação de seus balanços sobre o número de conexões ativas, sabidamente comprometidos pela subnotificação e alvo de revisões recorrentes por conta de atrasos nos envios obrigatórios.

Anunciado no final de 2024, o Plano de Ação Para Regularização da Prestação do Serviço de Banda Larga Fixa veio a público em formato final em 27 de junho. Mobiliza sete superintendências da Anatel – sinal da prioridade dada ao tema –, para que prestadores hoje dispensados da exigência de outorga obtenham a autorização. Isso os obriga a realizar uma série de ações em até 120 dias. Os que não o fizerem passarão para a clandestinidade, tipo de atuação que outras medidas devem tornar quase que inviável.

Mesmo provedores que tomarem tais providências e ainda não dispuserem de outorga dentro do prazo poderão ser questionados. O plano estabelece que, ao final do período, a superintendência de Fiscalização deve tomar “as medidas cabíveis” quanto aos não outorgados, priorizando inicialmente aqueles que não direcionaram esforços à sua regularização.

Os que se enquadrarem no último grupo serão excluídos do Banco de Dados Técnicos e Administrativos (BDTA). Em outras palavras, ou fecham as portas ou migram para a clandestinidade, o que, conforme o artigo 183 da LGT, expõe empresas – neste caso, já identificadas pelo regulador – a multas de R$10 mil, conforme redação original da norma.


O mesmo trecho da lei prevê ainda que os infratores ficam sujeitos a penas de dois a quatro anos de reclusão. Apesar disso, a Polícia Federal tem por hábito considerar que protocolos obtidos junto à Anatel caracterizam a boa-fé de provedores, mesmo quando flagrados na clandestinidade. Nesses casos, geralmente, as empresas acabam não sendo indiciadas criminalmente e respondem apenas a processos administrativos junto à agência. Ainda assim, o plano prevê que caberá à sua superintendência de Fiscalização “fortalecer a cooperação”, dentre outros, com as “forças de segurança pública”.

Se ainda assim houver os que considerem a atuação na ilegalidade como alternativa, outras determinações deverão inviabilizar a atividade de ISPs clandestinos. Empresas que fornecem os meios necessários à prestação de SCM, como interconexão, ficam impedidas de fazê-lo junto a não outorgados.

Já os que disponibilizam infraestruturas, como backbone, backhaul, redes de transporte de acesso – incluindo as neutras – terão de fornecer a relação completa de clientes à Anatel que, assim, poderá cruzar dados dos contratantes com as prestadoras que permanecerem no BDTA, ou seja, as outorgadas. Tampouco será possível repassar essas obrigações a outros, já que são previstos mecanismos para impedir a transferência de controle de ISPs não regularizados.

Quase metade do mercado

Mais que qualquer outro aspecto, chama a atenção o número de empresas impactadas. Dentre muitas das irregularidades que o plano visa combater, a subnotificação de acessos por provedores é seu principal foco. Conforme o acórdão da Resolução Interna 449/25 – que traz o plano –, 55% das prestadoras dispensadas de outorga nada reportam à agência sobre o tema. Quantas seriam?

Um estudo recente da Associação NEO e da consultoria Telco Advisors, realizado com base em dados, dentre outros, da Anatel, apontou que, em abril, havia 22.093 provedores autorizados no país. Dos 10.201 dispensados de outorga (46%), apenas 1.505 remeteram dados sobre conexões fornecidas ininterruptamente entre janeiro de 2024 e fevereiro último. Fica evidente a urgência do plano.

Ainda que muitos dos dispensados de outorga mantenham comunicação com a Anatel, em geral, apresentam inconstância nos envios e/ou não cumprem prazos. A esses vale lembrar que o plano prevê também o aperfeiçoamento da fiscalização e da checagem de dados sobre o número de acessos fornecidos.

O que fazer?

Apesar de impactar quase metade do mercado, nada do que a Anatel passa a exigir é de difícil realização – ao menos para empresas idôneas. Quanto à parte documental, as empresas terão de comprovar, por meio de certidões negativas, que não possuem débitos com a agência, a Receita Federal, a Previdência e remeter à autarquia cópias de alterações contratuais não enviadas anteriormente.

Dado o número de ISPs que não cumprem as obrigações assumidas perante o regulador, mais complexa será a atualização de dados relativos a acessos fornecidos e estações em funcionamento. A primeira deve ser realizada pelo Sistema Coletadas da agência, no relatório mensal, o DICI, no qual devem reportar até o dia 15 de cada mês, dentre outros, o número de clientes em banda larga atendidos.

Já dados como longitude, latitude, endereço e outros relativos às estações devem ser inseridos no BDTA. Os que optaram pela modalidade de registro gratuito – que permanece válida – não precisarão relatar o número de acessos por elas viabilizado.

Relator do plano, o presidente da agência, Carlos Baigorri, afirmou em entrevista ao Teletime em fevereiro que a dispensa de outorga foi importante para democratizar a Internet no país, mas que não fazia mais sentido após sua obtenção ter se tornado um processo simples e barato, sendo que o instrumento imputa maior responsabilidade às empresas.

De fato, a autorização é concedida hoje, em média, cinco dias após o envio dos documentos exigidos e, desde que o artigo 13 da Resolução nº 720 – suspenso cautelarmente pelo plano – eximiu prestadores com até 5 mil acessos da obrigação, seu custo caiu de R$ 9 mil para R$ 400,00.

Além de acessível, a outorga que passa a ser exigida de todos os provedores tornou-se, ao longo dos anos, necessária para que as empresas obedeçam à regulamentação, cumpram obrigações básicas, abandonem a informalidade e, assim, aumentem a transparência do mercado.

(*) Bárbara Castro Alves é gerente de assuntos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet.

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