Anatel mistura redes com conteúdo e diz estar pronta para fiscalizar plataformas online
Atento à iminência de votação do PL 2630/20 – provavelmente na próxima terça, 2/5 – o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, aproveitou o seminário do Comitê Gestor da Internet sobre a regulação das plataformas online para defender que a agência de telecomunicações é quem deve assumir o papel de fiscalizar as redes sociais.
“A Anatel é o órgão mais adequado para fazer isso na estrutura burocrática do Estado brasileiro. E isso é algo que com bastante facilidade e presteza conseguiríamos colocar de forma operacional e funcionando no dia seguinte que a Lei for sancionada. A gente não precisa constituir um quadro de servidores, constituir sistemas, constituir uma personalidade jurídica. Tudo isso já está operacional e funcionando, com ,mais de 750 fiscais espalhados pelas 27 capitais brasileiras”, disse Baigorri.
Para reforçar o argumento, Baigorri se vale de exemplos recentes em que a agência começa a se movimentar em direção à internet. Ele citou a atuação da agência na fiscalização de produtos de telecomunicações piratas vendidos em plataformas de comércio eletrônico e até a derrubada de conteúdos com desinformação eleitoral indicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral.
“O único órgão da administração pública que já fez combate efetivo às fake news no Brasil foi a Anatel, por meio das decisões do TSE no qual usamos nosso poder de polícia para tirar do ar conteúdos, aplicativos e sites que estavam disseminando fake news no contexto eleitoral”, insistiu o presidente da Anatel.
Mas esses exemplos, na prática, demonstram uma certa confusão da agência sobre o que é regulação de redes e regulação de conteúdo. A Anatel pode fiscalizar a venda de produtos piratas de telecom porque tem a atribuição de ser o órgão que certifica esses equipamentos. Tanto que auxilia a Receita Federal na interceptação de produtos importados que usam os Correios.
E exigir o respeito à Lei pelas plataformas online é o mesmo que exigir das lojas em ruas ou shopping centers – não é regulação da web. E o caso do bloqueio de fake news eleitorais é ainda mais evidente. A Anatel simplesmente atua como uma repassadora de uma decisão judicial – o TSE é um Tribunal – para as operadoras de telecom fazerem bloqueios de IPs.
Em outro exemplo, o presidente da Anatel diz que a agência tem experiência em regulação de conteúdo porque é o braço fiscalizador do Ministério das Comunicações sobre a programação de emissoras de rádio e TV, por exemplo, se a transmissão da Voz do Brasil é feita como previsto em Lei. “A Anatel já exerce poder de policia no que diz respeito a conteúdo, só não é nossa atividade mais tradicional”, disse Baigorri.
Quem conhece Brasília sabe que a maior força da candidatura anatelina não está nos estudos de caso, mas em acenar com a desnecessidade de criação de novas despesas pelo Executivo – afinal parte do argumento é apontar que o CGI.br, indicado como interino na função pelo substitutivo ao PL 2630 até que a efetiva entidade seja criada, sequer possui CNPJ. Mas a julgar pelo que indicaram representantes do governo à frente desse tema, a tentativa da Anatel não terá sucesso.
E não é demais reforçar que a Anatel cuida das redes de telecomunicações, enquanto o objeto do PL 2630/20 está em outra camada, a de conteúdo. E que a separação entre esses dois mundos está prevista na própria Lei Geral de Telecomunicações (9.472/97).
Ou, como lembrou o professor Carlos Affonso de Souza, do Instituto de Tecnologia e Sociedade, ITS/Rio, usando a neutralidade como exemplo: “Neutralidade de rede não é neutralidade das redes. Esse é um ponto importante, porque a internet é neutra. As redes sociais, não. E isso tem sido a semente de boas partes das nossas controvérsias, inclusive em questões que chegaram ao judiciário contrárias a atos de moderação das plataformas se arvoravam na provisão do Marco Civil da internet sobre neutralidade da rede para dizer que plataformas não poderiam moderar conteúdo porque elas devem ser neutras. É uma confusão que aparece em algumas decisões entre neutralidade da rede com a neutralidade das redes.”