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Internet

‘Brasilzão’ precisa de ISPs com imaginação e ousadia

Abrir o leque e ir além dos serviços de acesso, informações e conteúdo. Esta deve ser a prioridade estratégica das empresas de internet nos próximos 25 anos no Brasil, observa Tadao Takahashi, um dos responsáveis pela infraestrutura de internet no País. O especialista projeta uma melhoria na oferta da internet, mas não o fim da desigualdade digital. Com relação à governança da internet, diz que “há muitas questões em aberto”.

Como o senhor projeta os próximos 20 anos da Internet?

Do ponto de vista tecnológico, o mundo verá transformações radicais em que a raiz estará no uso da internet – serviços de mobilidade e logística com veículos autônomos; cidades como megaentidades ativas e responsivas; atividades e aplicações recheadas de inteligência artificial com pouca ou nenhuma interferência humana etc. A parte de regulação da internet terá ultrapassado as querelas de telecomunicações versus as OTTs e enfocará desafios humanos relacionados com conteúdos, enquanto as megaempresas de serviços internet estarão cercadas por iniciativas antitruste (mas seguirão impávidas mesmo assim…!).
Os governos terão definido algumas linhas inegociáveis de atuação, especialmente em segurança e defesa. E a população seguirá, como hoje, meio abobalhada entre a evolução vertiginosa de tecnologias e aplicações, de um lado, e a apreensão com os seus impactos sociais, do outro lado. A disseminação da internet por todo o País, com velocidade de acesso e variedade de aplicações, terá melhorado, mas ainda será bastante desigual – não é possível supor que problemas sociais e econômicos que estão na base da má distribuição digital terão sido resolvidos em vinte anos…!

São os provedores locais de internet e telecomunicações que estão levando infraestrutura de banda larga para o interior do Brasil ou para as cidades com menor poder econômico. Como eles devem projetar suas redes pensando nos próximos 25 anos da internet?

Acho que os ISPs precisam manter e, na realidade, aumentar suas apostas em imaginação e ousadia. Começando por imaginação: tendências como IoT, Software Based Networks etc. dependerão basicamente de provedores locais de produtos e serviços para se materializarem junto às PMEs, entidades públicas e usuários em geral, nas cidades e na zona rural do “Brasilzão” da vida real; os ISPs devem  se mirar e se reconhecer como os intermediários ideais entre os provedores de backbone e os clientes de internet Brasil afora, prestando amplo leque de serviços, não mais limitados a acesso, informações e conteúdo.
Falando de ousadia: os ISPs têm de mudar a imagem de “underdogs” de serviços internet no Brasil e se colocarem como os verdadeiros agentes da transformação do “Brasilzão” em um Brasil Digital; parte dessa mudança implicará, por exemplo, passar a atuar ativamente no Congresso para adiantar agendas como o do Estatuto da Cidade, o Plano Nacional da Educação etc. Todas essas frentes necessitam de uma Agenda Digital que o Governo Federal contempla somente da distância segura que Brasília garante para qualquer plano com relação à vida concreta das ruas.


Já se fala da internet como um serviço de utilidade pública como água, energia e saneamento básico.  Isso é possível no Brasil?

Sim, certamente será possível e desejável definir a internet dessa forma. Mas, para não provocar retrocesso, acho que será necessário fazer duas coisas: (i) promover uma nova Lei de Telecomunicações que realmente mereça o nome, simplificando o marco legal/regulatório na área, dividindo tudo em basicamente duas camadas: transporte e aplicações; e (ii) definir o que será internet dentro desse novo contexto legal/regulatório. A partir disso, se poderá definir precisamente um serviço universal que poderá ter uma parte na nova definição de transporte e outra parte na definição precisa sobre o que é a internet dentro desse novo marco legal/regulatório. Ou só na camada de transporte do novo modelo…!

Quais são as ações que podem vir a ser tomadas para aperfeiçoar a governança da internet? E qual o papel do CGI?

Talvez o maior problema que o modelo brasileiro de governança da internet está enfrentando hoje seja o de haver ficado “parado no tempo” e não haver seguido um processo contínuo de evolução, com revisões planejadas a cada período de, digamos, quatro anos. Nesse relativo imobilismo institucional, a agenda do CGI, no nível internacional, acabou por se pautar por acompanhar a evolução do ICANN. No nível nacional, o CGI acabou por se pautar por responder a desafios oriundos especialmente do setor de telecomunicações. É certo que houve avanços principionistas com o Decálogo e, depois, legais com o Marco Civil da Internet.
Mas várias questões importantes para o futuro permaneceram e permanecem em aberto. Por exemplo, o que deve ser a “internet” hoje, do ponto de vista legal/regulatório? Como deve ser encaminhada a questão no contexto de um futuro marco regulatório para comunicações, aplicações e conteúdos digitais no País?
Isto dito, parece-me que o CGI tem ainda papel importante a cumprir no Brasil, especialmente com seu modelo de representação “multistakeholder”, evitando exageros de setores.
Faltam alguns ajustes imediatos, que a proposta da Abranet no Fórum da Internet ajuda bastante a encaminhar. Isto evitará, por exemplos, “surtos” como o do setor governamental dos últimos tempos. O futuro é “multistakeholder”, e uma nova encarnação do CGI me parece mais apropriada do que uma agência governamental com todas as atuais (e possivelmente futuras) atribuições do par CGI/NIC.

O Brasil ainda não tem uma lei de proteção aos dados. Estamos ficando para trás depois de termos elaborado o Marco Civil da Internet?

Há duas questões aqui. A primeira é a proteção de dados de forma segura, dentro do País e na “fronteira cibernética” do Brasil com o mundo, de forma a assegurar o cumprimento adequado do Marco Civil da Internet e ir além dele onde necessário. A segunda questão é a de privacidade de indivíduos vis-à-vis requisitos de segurança e a disseminação ilícita de informações.
Acho que ambas as frentes avançarão bastante em 2018, devido à influência de avanços legislativos em outros países e/ou a dinâmica dos acontecimentos no País (devido, por exemplo, às eleições de 2018).

Clique aqui e veja esta e outras reportagens da Revista Abranet edição 23.

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