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É urgente atualizar a regulação do comércio eletrônico no Brasil

O avanço tecnológico e as novas formas de consumo escancararam lacunas regulatórias.

Por Rebecca Fischer

O comércio eletrônico se tornou um pilar da economia digital brasileira, movimentando bilhões e conectando consumidores e empresas de maneira antes impensável. O crescimento vertiginoso do setor, que saltou de R$ 35,8 bilhões em 2014 para mais de R$ 200 bilhões em 2024, mostra que o consumo digital não é mais uma tendência — é uma realidade consolidada. Nesse contexto, há um descompasso crescente entre a legislação vigente e os modelos digitais emergentes: muitas das normas em vigor foram criadas para um tempo analógico e, em diversos casos, não acompanham a velocidade com que os negócios digitais se reinventam.

Embora o Brasil possua um conjunto de normas que oferece alguma segurança jurídica para o comércio eletrônico — como o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e decretos específicos sobre comércio digital —, o avanço tecnológico e as novas formas de consumo escancararam lacunas regulatórias. As regras existentes, embora ainda relevantes, muitas vezes não alcançam as complexidades do ambiente online, especialmente no que diz respeito à responsabilidade de plataformas e à proliferação de práticas ilícitas.

Nesse cenário, a movimentação legislativa recente sinaliza um esforço de modernização, ainda que demande maior debate com o setor produtivo. O Projeto de Lei n.º 3.514/2015, por exemplo, propõe diretrizes específicas para o comércio eletrônico dentro do CDC, com o objetivo de reduzir assimetrias de informação e reforçar a segurança nas transações. Já os projetos de 2024 (PLs n.º 3.024 e 3.001) vão além, ao propor a responsabilização solidária das plataformas pela venda de produtos ilegais — algo que, até então, ficava em uma zona cinzenta da legislação.

A convergência política em torno desses projetos é um bom sinal. A responsabilização das plataformas por conteúdo e produtos que hospedam é uma discussão global, e o Brasil não pode ficar de fora. No entanto, é preciso cuidado para que as novas regras não acabem sufocando a inovação. Exigir que marketplaces invistam em compliance, validação de vendedores e sistemas de denúncia é importante — mas esse movimento precisa vir acompanhado de segurança jurídica, equilíbrio regulatório e diálogo com o setor. Enquanto entidades de defesa do consumidor pressionam por maior controle e responsabilização das plataformas, representantes do setor privado alertam para os riscos de sobrecarga regulatória, judicialização e retração de investimentos.


É importante reconhecer também o papel das redes privadas, como Visa e Mastercard, que já implementam mecanismos de controle, validação de vendedores e proteção ao consumidor. Essas empresas exigem, por exemplo, que adquirentes e subadquirentes realizem due diligence, controlem índices de chargeback e implementem sistemas antifraude. Também oferecem ao consumidor mecanismos extrajudiciais como o chargeback, que permite reverter compras em caso de fraude ou descumprimento da oferta. No entanto, por se tratarem de regras privadas, essas iniciativas não substituem o papel da legislação pública — mas apontam caminhos possíveis para modelos de compliance eficazes e proporcionais.

Outro ponto que merece atenção é o ritmo da tramitação legislativa. Projetos como o PL 3.514/2015 estão parados há anos, o que evidencia a dificuldade de priorizar temas estruturais no Congresso. Já as propostas mais recentes parecem ter mais tração política — talvez impulsionadas pela pressão pública contra produtos falsificados ou práticas desleais. A questão é: vamos esperar o próximo escândalo digital para agir?

Por fim, é essencial reconhecer que não se trata apenas de criar mais leis. Boa parte dos problemas do comércio eletrônico brasileiro poderia ser mitigada com a aplicação mais eficaz das normas já existentes. O desafio, portanto, não é apenas legislativo, mas institucional. Enquanto isso, empresas, consumidores e formuladores de políticas devem seguir atentos — porque o futuro do setor depende do equilíbrio entre inovação, responsabilidade e proteção ao consumidor.

*Rebecca Fischer é co-fundadora da Divibank, fintech brasileira cuja missão é democratizar o acesso ao capital não dilutivo para startups e pequenas e médias empresas (PMEs) na América Latina.

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