
Por Bárbara Castro Alves (*)
A histórica marca de 50 milhões de conexões fixas ativas no país foi supostamente alcançada em maio de 2024, quando, conforme dados da Anatel, havia um total de 50,6 milhões. Não houve comemoração, porque o número só foi revelado meses depois, após revisões motivadas pelos recorrentes atrasos nos envios por parte de um contingente, até então, desconhecido de ISPs. Outro fator que também tinha proporções ignoradas compromete ainda mais a base de dados da agência: a subnotificação por parte de empresas que reportam dispor de menos clientes do que atendem de fato ou que, simplesmente, nada lhe informam. Mesmo sendo antigos e conhecidos, esses problemas só foram dimensionados por um estudo recente, segundo o qual o último grupo representa 52,9% dos fornecedores de SCM e, ao descontar o impacto dessa e de outras irregularidades correntes no mercado, estima em 63,3 milhões o número de acessos fixos em operação no Brasil.
Encomendado pela Associação NEO, o estudo Mercado de Banda Larga no Brasil – Dimensão do Mercado e Subnotificação de Acessos, elaborado pela Telco Advisors, analisou dados de Anatel, IBGE (Censo 2023 e PNAD Contínua) e Cetic.br (TIC Domicílios). Dentre outros, deu números finais aos “mais de 20 mil” provedores de Internet existentes no país. Eram, em abril, 22.093, conforme dados do regulador que antes nunca vieram a público com tal exatidão. Desses, 10.201 (46,17%) eram dispensados de outorga. Embora esta seja uma prerrogativa dos que dispõem de até 5 mil acessos, muitas prestadoras deste porte optam por obtê-la, para usufruírem de vantagens competitivas.
Mesmo as empresas dispensadas de outorga têm a obrigação de enviar à autarquia o chamado DICI, a coleta mensal, onde devem informar, dentre outros, o número de acessos fornecidos. Essa é a base para a formulação dos levantamentos da agência. No entanto, estas operadoras representam apenas 25,3% das que remetem o relatório à Anatel todos os meses.
Conforme o estudo, entre janeiro de 2024 e fevereiro último, apenas 5.951 ISPs (26,9% do total) enviaram o DICI à agência ininterruptamente. Outras 4.445 (20,2%) deixaram de fazê-lo em um ou mais meses.
Os que cumprem a obrigação mensalmente respondiam, em fevereiro, por 95,4% do total de acessos oficiais contabilizados – 51,6 milhões, quando o estudo foi concluído. Hoje, porém, conforme o site da agência, naquele mês, havia 52,4 milhões de conexões ativas.
Saltos como este resultam da não observância do prazo final para envio do DICI à Anatel, o dia 15 de cada mês, quando devem ser remetidos dados relativos ao período anterior. Conforme os números trazidos pela Associação NEO e pela Telco Advisors, esses atrasos são mais notórios nos quatro meses anteriores a cada apuração oficial, acentuando-se nos 30 dias que as precedem. No período analisado, o número de prestadoras que encaminhou o relatório recua gradativamente a partir de novembro (8.992 ante 9.063 em outubro), com declínio mais significativo em janeiro e fevereiro (8.747 e 8.006, respectivamente).
Os dados mostram quantos são os que direcionam algum esforço ao cumprimento da obrigação, mas não conseguem fazê-lo adequadamente. Antes que se aponte dificuldades com a tarefa, vale observar que esta é a mais simples das coletas que todos os provedores devem remeter periodicamente à agência. Bem mais complexa, por exemplo, é a semestral – Dados Econômico-financeiros e Técnico-operacionais – que parece receber mais atenção das empresas que o DICI.
Em fevereiro, a autarquia divulgou o Relatório Setorial de Desempenho das PPPs. No que se refere ao tema deste artigo, mais importante que seus resultados é a base sobre a qual ele foi realizado: as coletas enviadas por 7,3 mil prestadoras nos três semestres compreendidos entre janeiro de 2023 e junho do ano seguinte. A agência não informou se houve atrasos, mas, aparentemente, a semestral possui maior adesão.
O motivo para isso é que o DICI não é incorporado às rotinas das PPPs ou sequer motiva a busca pela terceirização de seu preenchimento e envio. Isso resulta da quase inexistência de cobranças da agência quanto à coleta. Quando estas chegam aos provedores, referem-se a CNPJs digitados incorretamente, linhas duplicadas, a formatação usada em seu sistema (caixa alta e baixa, por exemplo) e afins.
Postura muito diferente é a adotada, há tempos, pela Anatel quanto às suas outras coletas, em particular, a semestral. Em meados de 2024, inúmeros e-mails foram enviados para buscar junto a ISPs esclarecimentos sobre as informações relativas ao segundo semestre de 2023. Receitas Operacionais dos serviços no período anterior (janeiro a junho de 2023) motivaram questionamentos a número expressivo de empresas em dezembro. Paralelamente, na mesma época e a número semelhante de destinatários, seguiram questionamentos sobre estações que desapareceram entre os envios da coleta anual relativos a 2023 e 2024.
Neste ano, uma ferramenta passou a ser utilizada para garantir que destinatários tomaram ciência de mensagens sobre essas coletas assim como sobre outros temas relevantes – bloqueios e desbloqueios de endereços eletrônicos, por exemplo. As empresas são informadas sobre a existência de solicitações no sistema SEI da agência. Ao acessá-las, dão início automaticamente à contagem do prazo para atendimento das determinações nelas contidas.
Subnotificações
No que se refere ao DICI, mais graves que os atrasos são a total indiferença ao regulador e a subnotificação de acessos fornecidos. Conforme o estudo da Associação NEO e da Telco Advisors, 11.697 ISPs nada reportaram à Anatel entre janeiro de 2023 e fevereiro último. Por conta disso, 5.041.407 conexões fixas estariam ausentes dos números relativos a fevereiro tornados públicos em abril. Já 5.712.958 teriam sido subnotificadas por empresas que enviaram – constante ou esporadicamente – a coleta. Por conta dessas e outras infrações, ao todo, 12 milhões estariam fora das estatísticas oficiais.
A Anatel promete que o DICI será alvo de rigor semelhante ao adotado em suas demais coletas. No final de 2024, Carlos Baigorri, seu presidente, anunciou a criação do Plano de Combate à Informalidade no Mercado de Banda Larga, que, dentre diversas práticas irregulares, daria atenção especial à falta de envio e à subnotificação de acessos fornecidos. Dentre outros, prometeu a cassação de outorgas dos infratores.
Ainda que isso não seja observado hoje, vale lembrar que, operacionalmente, esse trabalho é mais exequível se iniciado por coletas que, embora mais complexas, têm frequência de envio menor que a mensal. Isso já acontece há anos e se intensifica, levando a crer que o mesmo grau de cobrança será aplicado ao relatório mensal.
(*) Bárbara Castro Alves é gerente de assuntos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs.