Internet como se conhece no Brasil está em risco com subsídio cruzado
Com 39 PPTs, país tem o seu modelo de interconexão de rede sem regulação seguindo critérios técnicos e comerciais. Mudar esse modelo coloca em risco à integridade da Internet, afirmam especialistas
Os riscos que uma eventual taxação do acesso a internet pode trazer ao mercado foram o tema de um dos painéis realizados durante o Internet Summit: Conectividade e Inclusão para o Futuro Digital, ocorrido no dia 13 de novembro, em Brasília. Realizado em Brasília, o painel foi mediado pela vice-presidente da ISOC Brasil, Raquel Gatto, e apresentou os fundamentos da internet e os riscos trazidos por algumas propostas que vem sendo colocadas.
Conceituando a internet, o gerente de projetos e desenvolvimento do NIC.br, Antonio Moreiras, explicou que ela é composta de diversas redes, de tipos diferentes., quando muitos só pensam nas redes de telecomunicações. “Temos muitas redes diferentes, ou sistemas autônomos”, explica, lembrando haver cerca de 80 mil em todo o mundo, nove mil somente no Brasil.
Moreiras lembra que essas redes precisam se interligar, o que ocorre seguindo necessidades técnicas ou acordos comerciais. Para isso, a rede conta com os chamados PTTs (Pontos de Troca de Tráfego), que são estruturadas baseadas em datacenters onde estas redes vão se interligar. O Brasil conta hoje com 39 PTTs, sendo o de São Paulo o maior de mundo em número de redes conectadas e volume de dados trafegados.
“Essas redes, ao mesmo tempo em que competem, oferecem serviços complementares, mas tem que haver algum tipo de colaboração”, explica Moreiras, ressaltando que hoje essas interconexões são feitas sem regulação, seguindo critérios técnicos e comerciais. É essa infraestrutura que, de acordo com o executivo, o Brasil funciona muito bem. “A inclusão digital tem aumentado ano a ano e não acreditamos na necessidade de grandes mudanças no contexto técnico de operação da internet”, define.
A mesma posição é defendida por Luiz Henrique Barbosa, diretor-executivo da Telcomp. Ele lembra que entidade sempre lutou por interconexão e regras de atacado, mas que o ecossistema existente hoje atende as demandas do País. “O Brasil é uma referência internacional pelos PTTs e pela riqueza de sua cadeia de telecomunicações. Não temos aqui condições de mudar como a internet funciona, mas há disfunções que precisam ser corrigidas. Defendo o fair market, onde o ecossistema todo deveria cooperar”, diz.
Citando o crescimento da inclusão, a vice-líder do Conselho de Administração da Abrint, Cristiane Sanches, lembrou que o Brasil deve atingir em breve um marco histórico, chegando a 50 milhões de acessos em banda larga fixa, o que significa que mais de 54% do mercado está nas mãos dos pequenos provedores. “Boa parte da internet se molda a partir do BGP, um conjunto de regras que estabelece as condições de interconexão das empresas. Precisamos conservar a estrutura BGP da forma como ela é e não estabelecer políticas de preço ou taxação sobre parcerias comerciais que correm naturalmente”, defende.
Indo além, o diretor-executivo da ALAI, Raúl Echeverria, lembra que as operadoras são apenas uma parte da internet, trabalhando apenas no acesso a última milha e lembrando que, de acordo com a UIT, só 17% do tráfego de última milha é feita por redes móveis, o resto usa outras modalidades. “Se vamos falar sobre sustentabilidade do sistema, temos que falar do sistema como um todo. Parece que temos interesses antagônicos, mas temos objetivos comuns: que os conteúdos cheguem ao usuário final com a melhor qualidade possível”, afirma.
É esse objetivo que está na base dos acordos de cooperação e mais de 90% deles são gratuitos e informais, e tudo isso vai melhorando a internet no Brasil e na região. Para o executivo, a criação de uma taxa de acesso só serviria para burocratizar relações que hoje funcionam muito bem e para prejudicar os pequenos provedores, que seriam os últimos a serem contemplados nestas negociações.
Cristiane concorda e lembra que, com a criação de uma taxa, o resultado seria o estabelecimento de um subsídio cruzado, com efeito imediato no aumento dos preços. “Além disso, para os provedores regionais e prestadores de pequeno porte teremos destruição ao longo do caminho, além de aumento de custos de trânsito e dependência maior de rotas internacionais”, diz.
Barbosa reforça que uma eventual taxação vai beneficiar apenas algumas grandes operadoras, impactando todo o restante do ecossistema. “A criação da taxa, como está, não se sustenta. Exercícios de impacto mostram que as redes brasileiras devem ser degradadas e uma pequena parte das empresas vão se apropriar dessa taxa, o que não é fair share. Há um risco de desorganização de nosso sistema. Precisamos de um caminho alternativo”, diz.
Moreiras acredita que a adoção da taxa no Brasil seria desastrosa, como foi na Coreia. “Hoje há muitas empresas diferentes investindo em infraestrutura e a sinergia entre tudo isso cria uma internet que hoje funciona bastante bem do ponto de vista técnico. Esse risco todo é para financiar o 5G para uma porcentagem pequena de usuários. Precisamos pensar na internet como um todo e nos usuários como um todo”, completa.