Internet

Net Mundial: Por uma internet aberta, inclusiva, livre e com governança

Uma década depois do evento onde foi sancionado o Marco Civil da Internet, o NetMundial+10 voltou a reunir 423 participantes, oriundos de 60 países e representando diversos setores para debater os desafios globais da governança do mundo digital e como aperfeiçoar os processos de governança em um contexto de digitalização acelerada e ascensão de novas tecnologias. Mais uma vez, nesta segunda-feira, 29/04, o evento serviu para marcar a relevância de contar com uma governança da internet multissetorial.

O Brasil implementou a governança da internet a partir da perspectiva do princípio da multissetorialidade e o Marco Civil da Internet protagonizou importante papel na medida em que equiparou direito e deveres dos cidadãos nos ambientes offline e online, conforme pontuou a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, Luciana Santos. “Nós precisamos que esse debate digital, que hoje é dominado por poucas empresas transnacionais, possam garantir  outro tipo de arranjo que não esse arranjo monopolista com dominação social, econômica e política”, apontou a ministra.

O evento — bem menor que o realizado há dez anos — quer apontar os rumos da governança da internet. Moderador do painel de abertura, Hartmut Glaser, secretário-executivo do CGI.br, ponderou que é preciso entender os impactos das novas  tecnologias. “Há tempo para amadurecer, plantar e colher. Quando o propósito é alcançar consenso, o processo é lento”, enfatizou, fazendo um contraste entre a alta velocidade na qual avançam as novas tecnologias e aplicações com o mundo da governança. “O CGI surgiu como governança multissetorial e persistimos nisso — cada decisão vem no seu devido tempo. Acreditamos na força dos princípios, de consensos, no multissetorialismo, com os setores participando em iguais condições e possibilidades”, disse.  

Na mesma linha, Demi Getschko, diretor-presidente do NIC.br, assinalou os 35 anos que o .br completa em 2024 e lembrou que o CGI foi criado em 1995 já com a característica de ser multissetorial — sendo a Icann estabelecida dois anos mais tarde, em 1997, também multissetorial. “O conceito está imbuído desde o começo. Depois tivemos o Decálogo, em 2009, que gerou o Marco Civil da Internet, que foi bem-recebido e que estabelecia direitos na internet. Sou fã integral do Decálogo e do Marco Civil, que vêm no bojo de direitos e princípios”, acrescentou. 

Falando sobre o NetMundial, Getschko apontou que a diferença para outros eventos é que ele gera documentos de princípios e um mapa do caminho. “Temos pela frente um front importante de defesa e implementação dos princípios, porque todos queremos que internet siga aberta, inclusiva e livre, como sempre foi. e que a governança da internet siga multissetorial”, disse, esclarecendo que os riscos existentes hoje são de fragmentação, mas que, para tanto, é importante distinguir o que é o substrato do que cresceu sobre o substrato para manter o substrato único e uniforme.  


Para endereçar novos desafios
Trata-se de construir processos democráticos na busca de soluções de problemas e propostas para internet e para as tecnologias digitais que a internet suporta hoje para que uso e desenvolvimento sejam realizados em benefícios da sociedade, de forma responsável, ética, segura e confiável, salientou Renata Mielli, presidente (chair) do NETmundial+10 e coordenadora do CGI.br. “Os princípios devem nortear a governança da internet e também contribuir para as tomadas de decisão no âmbito de países. Nenhum setor sozinho é capaz de construir mundo digital – mas juntos tenho certeza de que conseguiremos”, disse. A consulta pública para o documento final recebeu 154 contribuições em duas semanas. 

Presidente da edição de 2014 do NetMundial, Virgilio Almeida acrescentou que as tecnologias digitais são ubíquas e estão em constante evolução. “Regular e governar o avanço digital exigirá estabelecimento de novas leis e políticas para uso das novas tecnologias”, apontou. Falando sobre a edição da década passada, Almeida destacou que, dez anos atrás, as discussões  sobre princípios de governança da internet foram pioneiras e o NetMundial introduziu o processo multissetorial de discussões.

“Os princípios estabelecidos em 2014 permanecem pertinentes e aplicados ao cenário atual, onde os mundos digital e físico estão entrelaçados. É preciso pensar no ecossistema global capaz de lidar com questões éticas, sociais e morais trazidas pelas novas tecnologias como IA”, afirmou, defendendo um equilíbrio entre regulamentação, política pró-inovação e engajamento democrático. 

A presidente da Associação Brasileira de Internet, (Abranet) Carol Conway, chamou a atenção da plateia para a importância da governança da internet, da conectividade significativa e da transformação da internet. “A internet não morreu, ela evoluiu e agora está se transformando novamente. As novas tecnologias são incríveis e são fruto de tudo que nos fez chegar aqui. É nossa responsabilidade preservá-la. Nesse novo decenio, o desafio é ainda maior: precisamos ampliar as contribuições sobre o que queremos da internet e da IA”, apontou – leia matéria completa aqui

Conway também destacou a desigualdade no acesso à internet. “Gostaria de poder dizer que todos nós aqui no Brasil vivemos sobre a internet, mas infelizmente esta ainda não é a nossa realidade. Somente 22% da população tem acesso à conectividade significativa”, disse a presidente da Abranet. Na mesma linha, Camila Leite, representando a Coalizão Direitos na Rede, destacou que a com a internet e as plataformas, cada vez mais, concentradas, sem a internet significava, as pessoas acabam sendo diretamente ou indiretamente excluídas. “Precisamos de processos e de uma internet inclusiva para avançar”, apontou, destacando a necessidade de haver simetria de poder, multissetorialismo como processo e em todos os espaços, transparência e diversidade. 

Sem a pluralidade, há um risco do aumento da exclusão, das lacunas digitais, de concentrações elevadas de mercados digitais nas mãos de poucos países e empresas. E mais: a economia de dados traz consigo o potencial de preconizar trabalhadores, sendo preciso dar uma remuneração justa a jornalistas e artistas. Os apontamentos de Luciano Mazza, membro do Comitê Executivo de Alto Nível (HLEC) do NETmundial+10 e representante do Ministério das Relações Exteriores, complementaram as falas por um cenário que, segundo ele, clama por mais cooperação internacional, multinacionalismo, multissetorialismo e governança da internet. “Todos os atores têm de estar comprometidos com o multissetorialismo. Este NetMundial+10 lança luz sobre estas questões e também aos desafios que se abrem e fortalecer a governança digital”, reforçou. 

Pela multissetorialidade 

A defesa do modelo multissetorial veio também de representantes estrangeiros. Irina Soeffky, do Ministério Federal da Digital e dos Transportes da Alemanha, afirmou que seu país sempre suportou o modelo multissetorial, inclusive agora que discute uma estratégia para política digital multissetorial. “É óbvio que muitas coisas discutidas há dez anos seguem atual, mas a questão que vamos discutir aqui é que não falaremos apenas de princípios, mas vamos debater como isso vai ser colocado em prática”, Soeffky assinalou. 

Por parte da Icann, Rodrigo de la Parra, que também é membro do Comitê Executivo de Alto Nível (HLEC) do NETmundial+10, disse que a entidade está orgulhosa de ser parte da comunidade técnica e ressaltou a transparência, a responsabilidade na prestação de contas (accountability) e o reconhecimento global com relação à internet. “Ser multissetorial é requerido para a governança global da internet e vamos mostrar ao mundo que este modelo funciona”, defendeu La Parra. 

Pelos Estados Unidos, Susan Chalmers, especialista em políticas da internet no Escritório de Assuntos Internacionais da NTIA, também ressaltou que é crucial para a internet ser multissetorial. “Os EUA participaram em 2014 e voltamos para discutir aqui, porque é onde as discussões principais estão tomando lugar. Em nossa visão, NetMundial contribui significantemente para a discussão da governança da internet. Um documento com governança multissetorial e uma arquitetura descentralizada é o que vai garantir a interoperabilidade da internet, proteger a estabilidade, segurança e resiliência”, disse. 

Ao encerrar sua fala Susan Chalmers, concluiu que o mundo passa por um momento de transformação com a tecnologia remodelando as formas de viver. “Os EUA estão comprometidos a trabalhar com multistakeholders, facilitando o acesso e a proteção aos direitos humanos”, finalizou. 

Representando a Unesco, Tawfik Jelassi lembrou que os princípios serviram de guia para o poder transformador da internet, mas, na última década, o cenário seguiu evoluindo e é preciso proteger os direitos humanos. “A Unesco, em 2021, fez as primeiras recomendações para IA. As plataformas digitais se tornaram lugar para ódio, violência, desinformação e temos de fazer algo para combater isso. Este evento vem em momento importante com a Unesco conduzindo debates globais.” 

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