SaferNet denuncia Telegram por abuso sexual infantil, grupos têm 1,25 milhão de usuários no Brasil
Relatório foi entregue a autoridades no Brasil e na França, onde CEO chegou a ser preso
Um relatório da SaferNet encaminhado ao Ministério Público Federal, à Polícia Federal e a autoridades francesas revela que mais de 1,25 milhão de usuários do Telegram no Brasil estão em grupos que vendem e compartilham imagens de abuso sexual infantil e outros crimes como imagens de nudez e sexo vazadas sem consentimento e a venda de material pornográfico gerado com inteligência artificial.
O relatório “Em suas próprias palavras: Como o Telegram tem sido usado no Brasil como um espaço de comércio virtual por criminosos sexuais”, é fruto de uma pesquisa em 874 links do Telegram denunciados à SaferNet por usuários no Brasil e em outros países no primeiro semestre de 2024 por “pornografia infantil”.
Segundo a SaferNet, 149 deles (17% do total) ainda seguiam ativos normalmente entre julho e setembro deste ano. O mapeamento também identificou mais 66 links, que nunca haviam sido denunciados, contendo conteúdos criminosos semelhantes que foram compartilhados dentro dos grupos ou canais do Telegram.
Somente em uma das comunidades ainda ativas com comercialização e distribuição de imagens de abuso e exploração sexual infantil no Telegram, a SaferNet contou 200 mil usuários. No total, os grupos, comunidades, canais e demais links do app contendo esse tipo de conteúdo contavam com mais de 1,25 milhão de usuários.
O relatório foi entregue nesta quarta, 23/10, à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do MPF em São Paulo. O relatório indica os links denunciados onde foram encontrados indícios claros de conteúdo criminoso e podem gerar investigações criminais e cíveis.
O documento também será encaminhado para a Polícia Federal e ao hotline Francês Point de Contact, membro do INHOPE, e que trabalha diretamente com as autoridades francesas que investigam diversos crimes no Telegram – investigação que levou à prisão do presidente e fundador da companhia, Pavel Durov, em 25 de agosto.
Entre os apps de mensagem, o Telegram lidera em número de denúncias de “pornografia infantil” recebidas pela SaferNet. E, desde 2021, o Telegram está entre os 10 domínios com mais links desse tipo de crime denunciados à ONG. Em 2022 e 2023, o app ocupou a quinta posição no ranking geral de domínios com mais denúncias de “pornografia infantil”. Em 2023, a Safernet recebeu 3274 denúncias desse tipo de crime no Telegram, um aumento de 77% em relação ao ano anterior.
A plataforma permite que os usuários reportem conteúdos de mensagens, grupos ou canais pelo aplicativo ou por e-mail, sendo necessário escrever para o e-mail [email protected] com o assunto “Denúncia usuário @nome”, incluir detalhes do motivo da denúncia e aguardar um retorno da empresa.
Ao contrário de outras plataformas, o Telegram não divulga dados sobre a quantidade de conteúdos moderados / removidos ou o número de denúncias recebidas de usuários e autoridades. O Telegram não responde requisições de nenhum dos 54 hotlines filiados à INHOPE, a associação internacional de canais de denúncia de crimes sexuais contra crianças e adolescentes na Internet.
Para o presidente da Safernet, Thiago Tavares, os dados do relatório são “alarmantes” e “demonstram a precariedade da moderação por parte da plataforma, que tem apenas 35 funcionários em todo o mundo para operar um app com 900 milhões de usuários. Essa é uma omissão que precisa ser reparada”.
Além da falta de moderação e omissão da empresa, a Safernet descobriu que parte dos conteúdos são publicados por bots ou vendidos aceitando como pagamento criptomoedas, o que facilita a anonimização dos autores dos crimes, dificultando que eles venham a ser identificados e processados.
Boa parte dos pagamentos dessas transações são operados por robôs. O Telegram alega não processar pagamentos diretamente em transações feitas dessa forma e que é cliente de 23 processadores de pagamento distintos que alcançam todo o mundo. A SaferNet identificou e pesquisou as informações de registro de cada um desses 23 processadores de pagamento, vinculados a fintechs.
A Safernet não conseguiu descobrir a origem de cinco processadores de pagamentos, pois não foi possível identificar o país de registro deles. Já as 18 empresas financeiras identificadas estão principalmente na Rússia (6) e na Ucrânia (5) e nas ex-repúblicas soviéticas do Uzbequistão e Cazaquistão, com dois processadores cada. Os demais estão em Hong Kong, Chipre, Reino Unido, Camboja e Etiópia.
A Safernet verificou ainda que quatro das plataformas de pagamento usadas pelo Telegram sofreram sanções internacionais: YooMoney, Sberbank, PSB e Bank 131.
Para o presidente da SaferNet, o fato de empresas sancionadas e outras fintechs estrangeiras sem registro no Banco Central serem utilizadas para intermediar pagamentos no Brasil pode facilitar a ocorrência de outros crimes como lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. “Solicitamos ao MPF que oficie o BACEN e a ENCCLA para realizar estudos sobre eventuais lacunas existentes na regulação do setor e apresente recomendações para o sistema financeiro nacional coibir esse tipo de prática”, afirma Thiago Tavares.