STF manda Google e Apple criarem barreira técnica ao Telegram nos smartphones
A determinação de Alexandre de Morais, do Supremo Tribunal Federal, para bloqueio do Telegram no Brasil é medida desproporcional, apontam advogados especialistas em direito digital ouvidos por esta Convergência Digital. De sua parte, a Anatel já informa que cumpriu o que lhe cabe “e e providenciou o imediato encaminhamento da decisão judicial às entidades atuantes no setor regulado que possuem pertinência com a determinação judicial”.
O que chama a atenção especialmente são inovações da decisão que mandam as empresas Apple e Google criarem “obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do aplicativo Telegram pelos usuários do sistema IOS (Apple) e Android (Google)”, além de que retirem o aplicativo Telegram das lojas Apple Store e Google Play”.
“A criação de obstáculos tecnológicos poderia ser viabilizada por meio de uma remoção remota. Tecnicamente, algumas plataformas possuem essa funcionalidade, que atende por “kill switch”. Mas isso não ofenderia um direito do indivíduo de ter o app? Ele estaria perdendo o acesso ao app sem ter feito parte do processo”, destaca o advogado especializado em direito digital e diretor de inovação e ensino da Smart3, Walter Capanema.
Ele reconhece que “esse caso mostra para a sociedade em geral como as grandes empresas de tecnologia desprezam as ordens judiciais do Poder Judiciário Brasileiro. Quando não respondem, inventam alguma proteção legal do seu país”. Mas Capanema ressalta que a decisão monocrática veio na ausência de uma posição definitiva do STF sobre bloqueio de aplicativos – caso da ADPF 403 que aguarda conclusão e que discute o bloqueio do Whatsapp.
O diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade e professor da Uerf Carlos Affonso de Souza reforça essa pendência do STF sobre o tema, em julgamento suspenso por pedido de vista do próprio Moraes. “A decisão do Ministro Alexandre de Moraes se vale dos artigos 10-12 do Marco Civil da Internet para determinar a suspensão do Telegram. Vale lembrar que o uso desses artigos para a suspensão de aplicações no Brasil está sendo disputada no STF. Dois Ministros já votaram contra o uso desses artigos (Min. Fachin e Rosa Weber), mas justamente o Min. Alexandre de Moraes pediu vista, suspendendo o julgamento. Os artigos do MCI tratam de coleta e processamento de dados pessoais (sendo essas as atividades que poderiam ser suspensas, e não o funcionamento completo de um aplicativo, como determina a decisão sobre o Telegram).”
O impacto para além das partes do processo também é apontado pelo advogado, professor, especialista em privacidade e proteção de dados e um dos autores do Marco Civil da Internet, Danilo Doneda. Ele também questiona o uso do artigo 12 da Lei 12.965/14 para justificar o bloqueio.
“Ele utiliza artigo 12 do Marco Civil para suspender. Mas o que está previsto lá é para quando não são fornecidos os dados de conexão que deveriam ser armazenados. Neste caso em discussão, está aplicando a medida por ter determinado suspensão e não ocorrido o bloqueio. Não vejo cabimento, porque o artigo 12 não tem penalidade para o motivo que o Telegram é acusado.”
Para Doneda, “é muito contundente a decisão, que faz coisas que ainda não tinha visto, como pedir para operadoras de conexão bloquearem IP no backbone, para Apple e Google tirar o Telegram das lojas de aplicativos, como até aconteceu em outros países; mas pede também que Apple e Google insiram obstáculos tecnológicos para inviabilizar utilização do aplicativo Telegram nos smartphones. Isso é uma invasão nos equipamentos para a qual desconheço precedentes. O aplicativo foi o dono do celular quem colocou.”
“Chama atenção pela desproporcionalidade que pessoas naturais, qualquer um, que usar subterfúgios tecnológicos para continuidade das telecomunicações com Telegram está sujeito a sanções e multa de R$ 100 mil. Ou seja, se usar um VPN para usar o Telegram está sujeito a multa nesse valor claramente desproporcional. E é complicado, porque o aplicativo Telegram é usado para várias atividades legítimas que ficarão impedidas e com potencial dano”, completa Danilo Doneda.
De sua parte, “a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informa que foi oficiada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em processo que corre em sigilo, e providenciou o imediato encaminhamento da decisão judicial às entidades atuantes no setor regulado que possuem pertinência com a determinação judicial”.