STF marca julgamento que pode mudar muito mais a Internet que o PL das Fake News
Enquanto parece uma competição sobre o nível de chiliques das plataformas digitais contra o projeto de lei 2630/20, com os ataques do Telegram superando até o editorial do Google disfarçado de notícia, avança a passos largos uma decisão do Supremo Tribunal Federal que pode modificar o regime de responsabilidade atual de forma muito mais profunda do que o proposto no PL das Fake News.
Assim que os dois relatores liberaram os processos para a pauta, a presidente do STF, Rosa Weber, não perdeu tempo e marcou já para a próxima semana, 17 de maio, o início do julgamento dos recursos especiais 1037396 e 1057258. Trata-se de dois casos escolhidos pelo Supremo para tratar da constitucionalidade da Lei 12.965/14, o Marco Civil da Internet, mais especificamente sobre o regime de responsabilidade de aplicações como Facebook, Twitter ou YouTube sobre o conteúdo postado pelos usuários.
É possível imaginar que as plataformas digitais pensem duas vezes antes de usar contra o Supremo o mesmo nível de agressividade que têm reservado ao projeto de lei 2630/20. O que não deixa de ser curioso, visto que o julgamento tem potencial para eliminar completamente o atual regime de inimputabilidade das plataformas.
O cerne do julgamento é o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que diz: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”
Em que pese a redação questionável, mas fruto das costuras políticas que viabilizaram a votação à época, esse artigo é um dos pilares do modelo de regulação da internet adotado no Brasil até aqui – o outro é a neutralidade de rede, que está no artigo 9 do MCI. O artigo 19 traduziu em lei o princípio da inimputabilidade da rede, ou seja, a ideia de que quem comete crimes são pessoas, não a internet. Da mesma forma que ninguém deveria processar a rede telefônica por que alguém decide passar trotes.
Se essa era de inocência já passou ou não, é uma questão de fundo que o PL 2630/20 de alguma maneira se propõe a atacar. Mas no STF isso não tem como ser abordado. Se a maioria dos ministros entender que o artigo 19 é inconstitucional, acabou a previsão legal de inimputabilidade da rede no Brasil.