STF vai julgar Marco Civil e pressiona Câmara a votar PL das Fake News
Dois dias depois da Câmara dos Deputados adiar a votação do projeto de lei 2630/20, alcunhado de PL das Fake News, o Supremo Tribunal Federal sinalizou que pretende votar em breve pelo menos uma das ações que discutem a responsabilidade das aplicações na internet sobre o conteúdo postado por usuários. Na quinta, 4/4, o relator do Recurso Especial 1037396, José Dias Toffoli, devolveu a ação para ser colocada na pauta do plenário da Corte. Uma data depende da presidente do Supremo, Rosa Weber.
Esse caso específico envolve a criação de um perfil no Facebook em nome de outra pessoa, que foi usado para promover ataques a terceiros. A ação começou em 2014 e chegou ao Supremo pelo recurso movido pela rede social para discutir a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14). Outro recurso especial, 1057258, tem Luiz Fux como relator e envolve um perfil criado no finado Orkut para ridicularizar uma professora. E também chegou ao STF para tratar do artigo 19 do MCI.
Não por menos, o autor original do projeto 2630/20, senador Alessandro Vieira (PSDB-SE), defendeu que o texto seja votado para que o Parlamento não transfira a questão ao Judiciário. “Não legislar só terá uma consequência: o Poder Judiciário novamente legislando. Não podemos cometer o pecado da omissão”, disse.
O risco maior não é nem o Supremo “usurpar” a competência legislativa. Mas uma confusão sobre o Marco Civil que vem sendo repetida em diferentes esferas. O próprio senador Alessandro Vieira a cometeu na mesma manifestação em que clamou o Parlamento a votar o projeto. “A leitura da internet que tínhamos à época do Marco Civil não subsiste. As redes não são neutras, elas trabalham com sistema de indicação. E ao fazer isso se responsabilizam pelo conteúdo que ofertam.”
Ele não está sozinho. Na mesma terça, 2/5, em que a Câmara adiou sine die uma votação do projeto, o Ministério da Justiça sinalizou entendimento na mesma linha. A cautelar que determinou a remoção de conteúdo contra o PL 2630/20 pelo Google sustenta que “o caráter da publicidade enganosa e abusiva praticada” impõe “extrema dificuldade à recomposição da harmonia e neutralidade das redes”.
Esse entendimento também visita o STF. E representa uma encrenca considerável sobre os debates relacionados ao Marco Civil, uma vez que a lei não trata de neutralidade de conteúdo. A neutralidade é da camada da infraestrutura, da máxima de que todos os bits são iguais perante à rede. Ponto, por sinal, frisado pelo professor Carlos Affonso de Souza, do Instituto de Tecnologia e Sociedade, ITS/Rio, durante o lançamento da consulta do Comitê Gestor da Internet sobre regulação das plataformas.
“Neutralidade de rede não é neutralidade das redes. Esse é um ponto importante, porque a internet é neutra. As redes sociais, não. E isso tem sido a semente de boas partes das nossas controvérsias, inclusive em questões que chegaram ao judiciário contrárias a atos de moderação das plataformas se arvoravam na provisão do Marco Civil da internet sobre neutralidade da rede para dizer que plataformas não poderiam moderar conteúdo porque elas devem ser neutras. É uma confusão que aparece em algumas decisões entre neutralidade da rede com a neutralidade das redes.”