Opinião

31 de agosto: Criptomoedas, regulação e maior controle da Receita Federal

Os operadores de criptomoeda no Brasil, agentes e investidores, começam a se tornar cada vez mais visíveis para a economia formal a partir da zero hora do dia 31 de agosto. Um minuto antes bate o prazo determinado pela Receita Federal para que as informações realizadas sejam consolidadas e postas à disposição das autoridades fiscais claramente identificadas como atividade financeira no sistema conhecido como e-CAC. O ano de 2019 será conhecido em breve como o período de construção de marco relatório inspecionador. O histórico e efeitos desse momento está descrito a seguir.

Em 3 de maio e 10 de julho de 2019, foram publicadas, respectivamente, as Instruções Normativas nºs 1.888 e 1.899/2019 da Receita Federal, que instituíram a obrigação por parte de titulares e de Exchanges de prestarem informações relativas às operações realizadas com criptoativos ao órgão, a partir de 1.º de agosto.

A Instrução Normativa 1.888/2019 conceitua “criptoativo” como sendo: “A representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

Já a Exchange de criptoativo é conceituada como sendo “a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.”

De acordo com a Receita Federal, a prestação de informações será feita por meio do Centro Virtual de Atendimento (e-CAC) da RFB e será obrigatória tanto para as Exchanges de criptoativos com domicílio fiscal no Brasil, quanto para as pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil, que realizem operações isoladas ou conjuntas que ultrapassem R$ 30.000 em Exchanges domiciliadas no exterior ou mesmo quando as operações não forem realizadas em Exchanges.


Os titulares dos criptoativos deverão informar todas as operações que impliquem na transferência dos mesmos à Receita Federal, como compra e venda, permuta, doação, transferências e retiradas de Exchanges, etc. Entre as informações que terão de ser passadas estão a data, tipo, quem são os titulares da operação, o valor da operação em reais e o valor das taxas de serviços cobradas para tanto, em reais, quando houver.

Já as Exchanges deverão fornecer informações relativas às operações realizadas com seus clientes e as realizadas entre os seus próprios clientes (caso da disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativos realizadas entre os próprios usuários dos serviços das Exchanges).

Tanto as Exchanges quanto os titulares de operações que se encaixem nos requisitos das Instruções Normativas deverão prestar as primeiras informações das operações até as 23h59min59s, horário de Brasília, do último dia útil do mês-calendário subsequente àquele em que ocorreu a operação. Ou seja, o primeiro conjunto de informações que deverá ser entregue em setembro de 2019 será referente às operações realizadas em agosto de 2019.

Anualmente, as Exchanges deverão prestar, no mês de janeiro do ano–calendário subsequente, informações relativas ao saldo em reais e ao de cada espécie de criptoativo (tanto em unidade dos respectivos criptoativos, como em reais) de cada usuário, relativas a 31 de dezembro de cada ano. Os titulares das operações e as Exchanges que deixarem de prestar as informações ou prestá-las fora do prazo estarão sujeitos às multas previstas na Instrução Normativa 1.888/2019 e serão aplicadas mensalmente.

Caso o declarante preste as informações em atraso à Receita Federal, ficará sujeito a multas por mês ou fração de mês variando de R$ 100 a R$ 1.500, dependendo da natureza do declarante. No caso de prestação com informações inexatas, incompletas ou incorretas ou com omissão de informação, a multa será de 1,5% a 3% sobre o valor da operação. As Instruções Normativas foram recebidas com muitas críticas, principalmente pelas Exchanges, na medida em que a prestação de informações de todas as operações realizadas dentro de tais empresas foi vista como uma burocratização desnecessária, que pode onerar ainda mais a atividade das mesmas.

Vale lembrar que não há, ainda, no Brasil, regulamentação do mercado criptoativo, porém, desde 2017, a Receita Federal já instituiu a necessidade de declaração da posse e lucros obtidos com a venda de criptomoedas pelos contribuintes, “muito embora não sejam consideradas como moedas nos termos do marco regulatório atual”.

Contudo, a falta de regulamentação sobre o assunto parece estar chegando ao fim: em 13 de junho de 2019 foi divulgado um Comunicado Conjunto da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Bacen e CVM sinalizando a criação um modelo de sandbox regulatório em que atuem juntos para imprimir maior segurança jurídica nos casos em que haja incidência das regulamentações dos mercados financeiro, securitário e de capitais brasileiros.

Ainda, no dia 26 de junho desse ano foi realizada uma Audiência Pública no Senado para tratar sobre a necessidade de regulação do mercado de criptoativos, em que foram convidados representantes do Ministério da Economia, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Receita Federal do Brasil, da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), e da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB).

Complementarmente, em 02 de julho de 2019, foi apresentado o Projeto de Lei 3.825/2019 pelo senador Flavio Arns, propondo uma regulamentação das criptomoedas no Brasil, prevendo, dentre outras disposições, a obrigatoriedade de fiscalização, em certas situações, por parte do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários, além de definir sanções para a gestão fraudulenta de criptoativos, inclusive aquela que se dá por meio de pirâmides financeiras, inserindo a prática entre os crimes contra o sistema financeiro.

Além disso, no 26 de agosto, seguindo a recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), formalizada no texto “Treatment of Crypto Assets in Macroeconomic Statistics”, o Banco Central do Brasil comunicou que as transações feitas com criptoativos no Brasil serão consideradas nos relatórios sobre as balanças comerciais. Além disso, afirmou que a “atividade de mineração de criptomoedas, portanto, passa a ser tratada como um processo produtivo”.

Por fim, o ano de 2019 tem sido bastante movimentado para o “criptomercado” brasileiro e espera-se que as novas iniciativas do Governo Brasileiro cumuladas com o crescimento de operações envolvendo criptoativos no Brasil e no mundo sinalizem que o vácuo regulatório desse mercado está com os dias contados.

*Carla Monezi é especialista em direito digital do Saiani & Saglietti Advogados

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