Opinião

5G e IoT: BRICS precisam de cooperação em cibersegurança

Os ministros da ciência, tecnologia e telecomunicações do BRICS acabam de destacar, numa Declaração conjunta, o interesse estratégico e o caráter prioritário de parcerias sobre as novas infraestruturas digitais, as tecnologias 5G, a Internet das Coisas (IoT) e a cibersegurança. O acerto foi feito na 5ª Reunião dos BRICS, realizada em agosto, em Brasília.

É importante entender que, em causa, não está somente a evolução tecnológica e o progresso econômico dos integrantes do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas a segurança dos 3,2 bilhões de pessoas que moram nos países do bloco BRICS, cujas vidas estão sendo radicalmente transformadas pela revolução digital.   

Infraestruturas modernas, governança de cibersegurança eficiente e, particularmente, regras sólidas sobre proteção de dados são assuntos cruciais para o desenvolvimento inclusivo e sustentável de qualquer nação no mundo. Tais assuntos se tornam verdadeiramente essenciais para os países do BRICS, que estão apostando massivamente na digitalização e no potencial de tecnologias – interconectadas e interdependentes – como 5G e IoT.

Durante os próximos cinco anos, o crescimento projetado do acesso à Internet deverá ocorrer predominantemente nos gigantes que compõem a área do BRICS – particularmente na China, Índia e Brasil – onde já é gerado 23% do PIB e 18% do comércio global.

A estratégia “Made in China 2025” visa – entre outros objetivos ambiciosos – construir 95% dos objetos conectados vendidos no mundo até 2025; o Brasil acaba de decretar um Plano Nacional de IoT, enquanto metade da população do BRICS já está conectada à Internet, gerando e consumindo uma quantidade incrível de inovação e comprando aparelhos conectados por padrão. 


Essas mudanças estão revolucionando o mundo digital, mas também produzindo novas ameaças. Cada objeto conectado pode ser hackeado e, como falam os especialistas de cybersegurança, existem somente três tipos de usuários: aqueles que foram hackeados, aqueles que serão hackeado e aqueles que estão sendo hackeados neste momento.

Além disso, uma clarificação parece necessária. Os referidos 3,2 bilhões de pessoas que vivem nos países integrantes do grupo não são simplesmente potenciais consumidores ou desenvolvedores de serviços digitais. São os potenciais produtores do recurso atualmente considerado como o mais valioso do mundo: os dados pessoais.

Nessa perspectiva, torna-se mais intuitivo que os países do BRICS, onde residem 42% da população mundial, são também os detentores de 42% do recurso mais valioso do mundo. Assim, o desenvolvimento de políticas digitais, particularmente no que diz respeito à cibersegurança, torna-se uma prioridade altamente estratégica para o desenvolvimento econômico e social e para garantir a segurança das pessoas e das infraestruturas críticas do BRICS.

As enormes oportunidades oferecidas pelos avanços tecnológicos podem ser aproveitadas somente na presencia de infraestruturas e serviços acessíveis e seguros. A proteção e segurança dos dados pessoais, dos objetos conectados, dos aplicativos e das infraestruturas é, portanto, uma questão fulcral pelo desenvolvimento do BRICS.

Ainda mais considerando que os países do BRICS são ao mesmo tempo os principais alvos de ciberataques e também os países de onde se originam a maioria de ciberataques no mundo. Para que essa situação possa mudar, são necessárias a elaboração e a correta implementação de estratégias sólidas e políticas públicas bem informadas.

Com o acesso à Internet da outra metade da população do BRICS que se encontra atualmente desconectada, os desafios se tornarão ainda mais colossais e complexos. Ao mesmo tempo, a quantidade de serviços inovadores, dados, conhecimento e receita que serão gerados para o próximo bilhão de usuários do BRICS é potencialmente sem limites.

Em um contexto no qual o acesso à Internet está se tornando essencial para comunicar, aprender, empreender e socializar – e todos os objetos produzidos estão sendo conectados em sistemas de IoT – os BRICS precisam de políticas digitais não somente eficientes, mas também convergentes.

As pesquisas do projeto CyberBRICS, liderado pela FGV Direito Rio, em parceria com instituições acadêmicas de ponta na área do BRICS, demonstram que os países do bloco enfrentam desafios comuns e podem aproveitar a transformação digital para desenvolver soluções comuns ou – pelo menos – compatíveis.

Não é uma coincidência que, nos últimos 5 anos, todos os integrantes do grupo tenham adotado ou estejam finalizando marcos normativos sobre proteção de dados pessoais, que é um elementos essencial da cibersegurança e instrumental para o desenvolvimento de um ecossistema digital sólido e sustentável. 

Os membros do bloco podem aprender, muito, das próprias experiências e se encontram em uma fase propícia ao alinhamento de seus marcos regulatórios.

Estudar e compreender as políticas digitais do BRICS é uma tarefa tão complexa quanto necessária, como destacam os ministros do BRICS, lembrando seu engajamento para aprimorar cooperação em pesquisa conjunta e em enfrentar os desafios da segurança informática.

Essa compreensão é essencial não somente para favorecer o entendimento mútuo, no respeito à cultura do outro, mas também para permitir o desenvolvimento de tecnologias e de regulações interoperáveis, capazes de democratizar o acesso a serviços e produtos inovadores, estimulando a concorrência e garantindo a proteção dos direitos dos usuários.

As sensitividades dos membros do BRICS podem ser diferentes, mas as prioridades e os objetivos são comuns. O estabelecimento de uma cooperação sólida e multissetorial, onde os governos do BRICS possam dialogar com os acadêmicos, os representantes do setor privado e da sociedade civil, recebendo inputs e feedbacks, seria uma estratégia proveitosa para todos.

Para começar, os governos do BRICS – que nos últimos anos destacaram constantemente o valor de uma cooperação aprimorada sobre pesquisa e desenvolvimento tecnológico – poderiam apoiar o estabelecimento de um mecanismo de cooperação entre think tanks e centros de pesquisa sobre cibersegurança. Como demonstra a experiência pioneira do CyberBRICS, a análise das políticas digitais existentes é primordial para identificar boas práticas e propor soluções eficientes, sustentáveis e justas.

A presidência rotativa do Brasil é uma oportunidade única para formular uma agenda positiva e proativa, destacando os benefícios de uma cooperação aprimorada em matéria de políticas digitais, em geral, e cibersegurança em particular.  A criação de tal mecanismo seria um grande sucesso para a presidência brasileira e para o BRICS.

Luca Belli, PhD,é Professor de Governança e Regulação da Internet na FGV Direito Rio, onde coordena o projeto CyberBRICS.

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