Opinião

A difícil rotina dos provedores em meio aos bloqueios

Por Fabrício Viana (*)

Em meio à crescente competição, concorrentes que ganham porte via M&As e queda da demanda por novas conexões, provedores de Internet veem-se com constância envolvidos com uma atividade complexa que em nada se relaciona à geração de receitas e que, obrigatoriamente, tem de ser realizada. Apenas entre os dias 25 de setembro e 4 de outubro, todos receberam ao menos sete ofícios da Anatel solicitando bloqueios de inúmeros endereços determinados por decisões judiciais.

A estes, somam-se outros, sobre desbloqueios, como o do X (ex-Twitter), e um comunicado que, no início de outubro, causou grande ansiedade e preocupação, por conta do esforço que iria demandar. Foi o aviso de que receberiam a ordem para inviabilizar o acesso a bets irregulares. Não mencionava quantas, mas, conforme a imprensa informava à época, seriam cerca de 500. No dia 10, a relação encaminhada, de 63 páginas, passava de 2 mil.

A rotina que essas ordens impõem é mais do que desafiadora para a maior parte das empresas. Bloqueios – assim como eventuais desbloqueios – implicam em ações “manuais” que, dentre outras alternativas, passam pela criação de regras de firewall para os endereços ou que façam servidores DNS não devolverem solicitações de acesso aos IPs dos serviços.

Crescente nos últimos anos, implicam na mobilização de pessoal que atua em um mercado onde 46% das empresas dispunham, em 2022, de menos de 20 funcionários, conforme a TIC Provedores, elaborada pelo NIC.br. Mesmo para grandes operadoras, que podem formar times e contratar ferramentas especializadas para tais atividades, o cumprimento dessas determinações não é simples.


Exemplo disso é um ofício encaminhado pela agência dia 1º de outubro a prestadores de SCM e SMP que, em seus seis anexos, trazia, além de decisões judiciais, uma tabela de 76 páginas com DNSs (Domain Name System) que deveriam ser bloqueados. Para prestadores que não dispõem de equipes voltadas exclusivamente ao atendimento a essas demandas – dada sua frequência, deve haver as que as tenham –, torna-se uma tarefa que mobiliza pessoal – de empresas que são majoritariamente PMEs –, comprometendo a realização de outras atividades diárias.

Mesmo a Anatel demonstra dificuldade com o quadro. Prova disso é a criação recorrente de novos e-mails para disparo desses ofícios. Rotinas adotadas pelos destinatários das mensagens da agência são comprometidas por esta multiplicação, o que prejudica o controle e cumprimento das determinações do regulador mesmo entre os ISPs mais zelosos com suas obrigações regulatórias.

Outro dificultador do dia a dia dos provedores é que, embora os endereços usados para esse fim não possibilitem a simples resposta – apresentam, quase sempre, o “noreplay” –, o recebimento desses ofícios implica na comunicação à autarquia da ciência sobre as ordens e da tomada de medidas quanto ao que é exigido.

Mais notória por conta do noticiário sobre o impacto que as apostas têm causado – endividamento e inadimplência de consumidores em vários segmentos, divórcios, perda de patrimônio, grande adesão entre beneficiários do Bolsa Família etc. –, a inviabilização do acesso às bets irregulares perante o Ministério da Fazenda é apenas parte de uma rotina que os ISPs passaram a adotar. E, mesmo que a prática aperfeiçoe sua execução, o uso de quaisquer mecanismos ou estratégias de bloqueio é de difícil fiscalização e incerta eficiência.

Quanto ao primeiro, nem a Anatel nem a Justiça dispõem de pessoal ou ferramentas capazes de identificar o que cerca de 20 mil provedores fizeram ou não depois de receber seus ofícios. Ainda que fique evidente a realização de apostas em uma bet que deveria estar bloqueada a partir de determinado provedor, como se comprovará que o acesso não foi viabilizado via VNP ou a partir de outros “subterfúgios tecnológicos”, cujo uso ficou sujeito a multas diárias de R$ 50 mil enquanto vigorava a decisão do STF que tirou o X do ar no país?

Este é o cenário em que, com ganhos menores, maior competição e queda na demanda, empresas têm de dispor de funcionários que realizem funções que não se relacionam com sua atividade fim. Estas, porém, são imperativas. O ambiente on-line foi usado nos últimos anos para incentivar e organizar ataques nas escolas e à democracia, propagar fake news, transmitir conteúdos audiovisuais de forma clandestina, dentre outros atos que, assim como têm determinado a Justiça e, agora, o Ministério da Fazenda, devem ser combatidos. Crescente como a frequência com que essas demandas chegam aos provedores, as atenções de muitos se voltam ao tema. A pressão pelo cumprimento dessas determinações só crescerá. Por maiores que sejam as dificuldades, os ISPs terão de se adequar.

(*) Fabrício Viana é sócio da Vianatel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet, e do RadiuNet, software de gestão para ISPs.

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