Opinião

A hora de o Brasil embarcar na jornada da tecnologia e da inovação

Por Júlio Ramos

O WebSummit Lisboa 2023, realizado em novembro passado, foi um divisor de águas no panorama global de tecnologia, reunindo mentes inovadoras e empresas de destaque para debater e explorar o futuro da inteligência artificial (IA) e da inovação. A importância desse evento foi mais do que suficiente para a minha decisão de seguir rumo a Portugal para participar.

É claro que o papel do nosso laboratório, o Visa Lab Garage, no Cubo, um dos maiores ecossistemas de startups no Brasil, também pesou nessa decisão. Afinal, o evento, conhecido por ser um ponto alto para as startups, tornou-se uma oportunidade imperdível de trocas de experiências.

Ao longo de três dias intensos de palestras, painéis e networking, uma temática emergiu com destaque: a regulamentação da IA. Este foi o primeiro WebSummit após a popularização do ChatGPT, e as discussões sobre o primeiro ano dessa ferramenta trouxeram reflexões profundas. No centro do debate, ficou evidente uma cisão entre duas vertentes: um grupo que advoga pela liberdade total da IA para impulsionar a inovação e outro que defende regulamentações rigorosas para garantir o desenvolvimento seguro dessa tecnologia.

As discussões acaloradas sobre a regulamentação da IA revelaram temores palpáveis. A explosão de deep fakes, fake news e a potencial ameaça que a IA pode representar à ética humana são ameaças reais e com potencial enorme de prejuízos sociais e econômicos. Questionamentos sobre a moralidade humana para gerir uma inteligência artificial completamente livre ou a necessidade de uma governança mais robusta para evitar efeitos colaterais ecoaram pelos quatro cantos do evento.

Diante dessa polêmica, é curioso pensar que a IA foi viabilizada por princípios tecnológicos que existem há algum tempo. Logo, por que toda essa celeuma acontecendo somente agora? A resposta pode estar na disponibilidade massiva de dados e evolução natural da capacidade computacional. A questão se agrava ao pensarmos que os dados que alimentam as IAs podem não ser reais, levando-nos a questionar a integridade do próprio ciclo de retroalimentação dessa tecnologia.


Pela primeira vez, sinto uma genuína apreensão em relação aos limites reais da IA generativa. O conflito que testemunhei entre as vertentes que mencionei acima foi central na saída e posterior retorno de Sam Altman na OpenAI. Ele busca inovações rápidas, enquanto o conselho da empresa adota uma abordagem mais cautelosa. Essa tensão reflete os desafios intrínsecos à evolução da IA e a necessidade de uma abordagem ponderada.

Mas não foram só os temores em torno das novas tecnologias que pautaram as discussões do WebSummit. A abordagem europeia em relação à identidade digital também me deixou impressionado. Observando o cenário, percebi que a Europa está avançando na implementação da regulamentação da identidade digital, com a participação de governos e empresas. Infelizmente, constatei que estamos defasados nessa seara, em comparação ao velho continente.

Refletindo sobre as razões por trás disso, chego à conclusão de que falta protagonismo do poder público nesse contexto. Em alguns países europeus, o movimento para abolir o dinheiro físico está avançado, e uma das fundações desse avanço é a implementação efetiva da identidade digital. Na minha avaliação, é o poder público que deve dar a tração necessária para a concretização desse tipo de movimento.

Também fiquei muito impressionado com a qualidade das startups que estiveram presentes e que brilharam nas competições que aconteceram durante o evento. O triunfo de uma startup brasileira da área de legal tech ressalta o potencial do país no cenário global, mas também evidencia o papel crucial das startups na moldagem do futuro tecnológico.

Outra startup que me surpreendeu profundamente foi a Acrylic Robotics, que concebeu um robô capaz de reproduzir com uma precisão impressionante as obras de um artista plástico. Ao empregar um pincel equipado com sensores desenvolvidos pela empresa, o robô consegue emular não apenas os traços, mas também a pressão da mão sobre o pincel, resultando em uma realização verdadeiramente extraordinária. A notável característica desse feito é que, ao observarmos as reproduções, é desafiador discernir qual é a obra original e qual é a cópia.

Em última análise, o WebSummit Lisboa ofereceu uma visão aprofundada do caminho que a inteligência artificial seguirá traçando ao longo 2024, que acaba de começar. O Brasil, apesar de suas conquistas individuais, precisa acelerar seu entendimento e preparação para esse futuro iminente. A responsabilidade recai sobre nós, seja na iniciativa privada ou no setor público, para garantir que estejamos prontos para os desafios e oportunidades que a IA trará nos próximos anos.

* Júlio Ramos é diretor executivo de Soluções e Inovação da Visa do Brasil 

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