Opinião

A supremacia do interesse público na revisão das concessões

As externalidades positivas de redes de banda larga ubíquas são bem conhecidas. Diversos estudos atestam a relação entre banda larga e desenvolvimento econômico. Todavia, o Marco Legal das Telecomunicações ainda privilegia outro serviço, a telefonia fixa, na orientação das políticas públicas.

É preciso observar que, quando editada a Lei Geral de Telecomunicações, em 1997, a principal preocupação era a universalização da telefonia fixa. Havia, indubitavelmente, relevante demanda reprimida por tal serviço. É irrefutável que a desestatização do setor de telecomunicações endereçou adequadamente tal questão. 

A telefonia fixa teve, de fato, grande avanço ao abrigo dos Planos Gerais de Metas de Universalização (PGMU’s) em regime público. As regras em vigor determinam, por exemplo, que o Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) esteja presente em todas as localidades com mais de 300 habitantes (vide art. 5º, Anexo I, do Decreto 7.512/2011) e que todas as localidades com mais de 100 habitantes sejam atendidas com pelo menos um TUP (orelhão) em local acessível 24 horas por dia (vide art. 15, Anexo I, do Decreto 7.512/2011).

Porém, transcorridos quase 20 anos desse processo, a evolução tecnológica alterou radicalmente o panorama setorial. Em tempos da chamada Economia Digital, a demanda atual da sociedade é pela ampliação da cobertura do SMP (telefonia móvel) e pela expansão do SCM (banda larga). Diante desse quadro, é forçoso concluir que, prezando pelo uso racional dos recursos públicos e pela efetividade das políticas públicas, o emprego desse capital justifica-se quando voltado para a expansão desses serviços.

A prioridade de política pública não deve continuar centrada na universalização da telefonia fixa, com foco em obrigações, por exemplo, de instalação e de manutenção de orelhões. Registre-se que a obrigação de manutenção de TUPs ociosos tem o condão de resultar em possível insustentabilidade dos contratos de concessão. Ademais, uma política pública uniforme para todas as diferentes realidades do País não parece adequada.


É preciso que os problemas sejam vistos em perspectiva, uma vez que não existe um “Brasil médio” ou um “Brasil representativo”. De semelhante modo, a atividade regulatória  deve considerar a heterogeneidade de infraestrutura, do grau de competição, tendo em conta, também, que as inovações ocorrem em todas as camadas do chamado Ecossistema Digital.

Portanto, é necessária modularidade regulatória. Ao se considerarem as peculiaridades e as idiossincrasias regionais, a regulação galga novo patamar em relação ao contexto regulatório vigente na infância do processo de desestatização. Tal atributo também deve orientar a definição das obrigações de universalização, que merece nova abordagem. 

Anteriormente, a universalização sempre foi relacionada com cobertura. A questão é que a banda larga, atual foco de demanda da sociedade, coloca uma segunda dimensão no desafio da massificação. Não se trata apenas de cobertura, mas, também, de capacidade para que não ocorra uma inclusão digital fictícia.

O arcabouço normativo, sem dúvida, impacta a assertividade do desenho e da implementação de qualquer política pública. Quando o marco legal-regulatório estabelecido promove a atração de investimentos sem prescindir de condições de competição adequada, melhores são as condições de delineamento do papel da universalização, bem como do universo de agentes consumidores que pode ser alcançado sem recursos públicos.

O Projeto de Lei nº 79/2016 representa uma oportunidade ímpar de dinamizar o setor de telecomunicações a partir do aprimoramento de seu arcabouço legal. Trata-se de uma solução legislativa que confere segurança jurídica para superar, com transparência e com o pleno acompanhamento do processo pelo Tribunal de Contas da União (TCU),  o equilíbrio ineficiente ao qual estão submetidos a sociedade, o Poder Concedente e as Concessionárias. O PL, desafortunadamente, está numa espécie de limbo jurídico-político.

Não obstante, as obrigações dos contratos de concessão devem ser reestruturadas no sentido de melhor alinhá-las ao interesse público. E o PGMU é parte integrante dos contrato de concessão.Nessa perspectiva, é preciso refletir como alterar as obrigações de fazer integrantes do PGMU em vigor (conhecido como PGMU 3) em prol de políticas públicas que maximizem o valor social das contrapartidas decorrentes da alteração deste instrumento.

Em primeiro, é necessário garantir o equilíbrio dos contratos de concessão, o que importa na análise do balanço entre ônus e bônus decorrente de sua alteração. Em outros termos, a equivalência entre direitos e deveres, de modo a assegurar a fungibilidade do valor das contrapartidas a serem exigidas.Segundo, o valor de tais contrapartidas deve ser reconhecido no momento da renovação do contrato de concessão e atualizado no tempo. 

Em terceiro, tais contrapartidas podem materializar-se em obrigações de investimentos com custo de oportunidade de capital diferente daqueles que seriam ordinariamente realizados. Em outros termos, as contrapartidas exigidas em obrigações de investimentos devem estar alinhadas essencialmente com os objetivos das políticas públicas.

Por óbvio, a definição do escopo e do conjunto de tais contrapartidas (obrigações de investimento) deve ocorrer no horizonte temporal dos contratos de concessão. Nesse aspecto, é função do Poder Executivo Federal formular a política pública. Essa, de todo modo, não é uma tarefa trivial, pois hão de ser considerados o alcance do objeto material do contrato de concessão e a dinamicidade tecnológica que permeia o setor de telecomunicações. Diante disso, é razoável que a destinação dos recursos apurados, atualizados no tempo, seja alvo de cuidadosa reflexão, de modo a maximizar o valor social decorrente de sua utilização.

Como extrair maior valor social das contrapartidas que serão demandadas para o reequilíbrio dos contratos de concessão do STFC? Tal questionamento poderá ensejar diferentes respostas, a depender do marco legal em vigor. Caso aprovado o PL nº 79/2016, certamente o valor total de recursos disponíveis para política pública será não apenas maior como mais aderente às demandas atuais.

Leonardo Euler de Morais é Mestre em Economia pela UnB, Especialista em Regulação de Serviços de Telecomunicações e membro do Conselheiro Diretor da Anatel.

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