Opinião

Acertos e desafios do modelo de competição em Telecom

A promoção da competição é um dos principais pilares da regulação econômica no setor de telecomunicações. Após mais de 20 anos da desestatização do setor, a Agência concluiu que assertividade da missão regulatória passa pela compreensão de que os desafios precisam ser vistos em perspectivas; afinal, não existe um “Brasil médio” ou um “Brasil representativo”.

Portanto, é necessária certa modularidade da atividade regulatória a fim de considerar a heterogeneidade de infraestrutura disponível, bem como do grau de competição. O chamado Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) é um avanço nesse sentido. À medida que a abordagem regulatória passa a considerar as peculiaridades e as idiossincrasias regionais, a regulação galga novo patamar em relação ao contexto regulatório vigente à época do processo de desestatização pelo qual passou o setor.

A dualidade público-privada não pode mais guiar a regulação do setor de telecomunicações do País. Para além disso, é preciso repensar os instrumentos regulatórios voltados à promoção da competição no contexto de um ecossistema digital cada vez mais dinâmico.

E dado que a dinâmica da competição altera-se rapidamente, equilibrar o campo de jogo (level playing field) exige uma nova abordagem, que transpõe a tradicional dicotomia público-privado. Esse racional, embora tenha tido a sua importância no passado, não é mais suficiente para endereçar os desafios correntes. Nesse contexto, o PGMC é um dos instrumentos fulcrais da regulação econômica. Uma das suas principais inspirações advém do modelo de gaps proposto pelo Banco Mundial.

Em breve síntese, o referido instrumento propicia um arcabouço analítico que baseia a estratégia de desenvolvimento das telecomunicações a partir da segmentação das áreas desprovidas de infraestrutura em duas categorias ou “gaps”, quais sejam: i) lacuna de eficiência de mercado; e ii) lacuna de acesso.


A lacuna de mercado (Zona 1) refere-se à diferença entre o nível de penetração que pode ser alcançado nas condições atuais e o nível que o mercado poderia alcançar por meio de um marco legal ideal. Essa lacuna pode ser eliminada com aprimoramentos do desenho regulatório vigente e não deve exigir transferências públicas.

Por sua vez, a lacuna de acesso representa a parcela do mercado que, mesmo sob um ambiente legal e regulatório ideal, não seria coberta pelas operadoras devido ao seu alto custo e/ou baixo nível de renda.

O incremento de cobertura para além da Fronteira da Eficiência do Mercado na lacuna de acesso passa, nessa perspectiva, por incentivos públicos. Integra a lacuna de acesso o nível de penetração denominado por Fronteira de Sustentabilidade. Essa fronteira divide as zonas aptas à recuperação custos operacionais daquelas que necessitariam de subsídios contínuos (Zona 3).

As políticas públicas devem considerar tanto as áreas que demandam subsídios contínuos quanto aquelas que requerem subsídios únicos/pontuais para aumentar a disponibilidade de acesso na zona de fronteira de sustentabilidade.

Com fundamento nessa sistemática, o PGMC cuidou de propor uma estrutura de categorização municipal consoante o grau de competição. verificado, qual seja:

· Municípios Competitivos;
· Municípios Moderadamente Competitivos;
· Municípios Potencialmente Competitivos;
· Municípios não Competitivos.

Tal categorização foi construída a partir de um modelo de cluster que fez uso de diversas métricas de análise, tais como:

i. Grau de concorrência (mediante do uso chamado índice Herfindahl–Hirschman, ou, no acrônimo em inglês, HHI);
ii.  Potencial de Demanda (por meio da utilização de indicadores calcados no IDH Renda e Educação);
iii. Disponibilidade de Fibra Ótica; e
iv. Densidade/penetração dos serviços.

Dentre seus resultados mais notórios destaca-se a efetiva aceleração da competição no Brasil. Na prática é possível constatar o crescimento da quantidade de acessos e a emergência de centenas de prestadores de pequeno porte que, aliás, lideram diversos rankings de satisfação e qualidade percebida pelo consumidor.

O efeito da competição sobre os preços é um dos mais significativos benefícios do modelo de competição adotado. Sobre este aspecto, em particular, estudo conduzido pelos autores constatou que o preço médio de oferta por Mbps do serviço de banda larga fixa em regiões mais competitivas é 40% menor que o valor praticado em municípios da categoria menos competitiva.

Os preços de oferta de varejo foram coletados junto a portais de comparação de preços. A amostra compreende 45.149 ofertas de serviços disponíveis em todos os municípios brasileiros e contemplam planos de serviços das empresas Brisanet, Copel Telecom, D1 Telecom, Hughesnet, Net, Oi, Tim, Vivo, dentre outras.

Para fins de padronização, adotou-se como “linha de corte” as ofertas com velocidade superior a 2 Mbps de download e estabeleceu-se como unidade padrão o preço por megabyte de download. As ofertas foram convalidadas, de modo aleatório, junto aos sítios na internet das prestadoras.

As referências coletadas foram ponderadas pela quantidade de acessos em serviço para cada classe de velocidade e por município. Assim, os preços médios correspondem à referência mais próxima da realidade municipal.

Ainda a título de esclarecimento, importa esclarecer que promoções e descontos em função da contratação simultânea de outros serviços podem acarretar alteração do preço médio do serviço apresentado neste estudo. Como pressuposto, assumiu-se que tal variação ocorre de modo linear para todos os municípios. Desse modo, as variações percentuais dos valores médios reportados entre os municípios com mais ou menos competição são preservadas.

Referida lógica se sustenta no fato de que em condições de competição as empresas são compelidas a inovar em busca de menores custos e maior eficiência. Nessas circunstâncias, regiões mais competitivas tendem a oferecer serviços com valores mais próximos ao custo da prestação do serviço.

Do exposto, a análise contida no estudo ora mencionado convalida a modularidade que rege a pauta regulatória atual. Em última instância, tal abordagem atua em prol da própria efetividade das medidas adotadas.

* Leonardo Euler de Morais – Presidente da Anatel

* Luciano Charlita de Freitas – PhD em Economia e Especialista em Regulação de Telecomunicações da Anatel.

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