Opinião

Anatel e a as ações para massificar o IPv6

Mais que imposições, a migração para o IPv.6 receberá estímulos pela Anatel. Mas é urgente e preciso avançar.

Por Fabio Vianna Coelho (*)

A Internet brasileira registrou, em 2023, um avanço significativo quanto à inevitável – não se sabe quando, mas ela o será em algum momento – migração do IPv4 para o IPv6, chegando, em fevereiro último, a 48% de adesão ao novo protocolo, como apontava artigo técnico de Anatel, Huawei, CxSC Telecom e Inatel apresentado no último Mobile World Congress. Porém, a partir dali, conforme o NIC.br, o país estagnou. Ciente do quanto é necessário este movimento, a Anatel reativou um grupo de trabalho que se dedicou ao tema nos últimos anos. Uma das prioridades será acelerar a transformação de PPPs, que se destacam como um dos segmentos mais atrasados no que se refere ao uso da nova versão de IP.

Mas os provedores regionais não estão sós. Junto com eles há número considerável de empresas que deveriam mais do que outras priorizar a migração. Conforme declarou em novembro o gerente de projetos do NIC.br e coordenador do IX.br, Antonio Moreiras, o atraso é significativo também no sistema financeiro, no e-commerce e em sites governamentais, sendo que estes últimos, segundo a  área técnica da Anatel, operam exclusivamente em IPv4, muito mais suscetível a ataques que seu sucessor. Por essas páginas, trafegam, dentre outros, nossas declarações de Imposto de Renda.

Outro fator bem preocupante para qualquer internauta: não há números atualizados sobre o setor, mas dados de abril de 2023 do NIC.br apontavam que apenas 8,7% dos bancos adotavam o novo padrão de protocolo nos acessos online a seus serviços.

Nesses casos, o uso ainda massivo do IPv4 é muito mais grave que o observado entre os PPPs, principalmente quando o país ocupa a segunda colocação mundial em ataques cibernéricos, tendo registrado 700 milhões de ocorrência no último ano, de acordo com o Panorama de Ameaças para a América Latina 2024, elaborado pela consultoria de segura de dados Kaspersky.


Ainda que, por si só, não seja capaz de erradicar os cybercrimes – que tendem a ter crescimento expressivo com o uso da inteligência artificial –, a adoção do IPv6 por bancos, empresas de comércio eletrônico e páginas governamentais poderia reduzir significativamente a prática. O artigo técnico de Anatel, Huawei, CxSC Telecom e Inatel destaca dentre os benefícios trazidos pelo novo padrão quanto à segurança o fato de ele tornar muito mais complexa e lenta a varredura de redes, ação pela qual se inicia a maior parte desses ataques.

Como o NIC.br não voltou a detalhar a adoção do IPv6 por segmento econômico, voltemos aos seus dados de abril de 2023: apenas 36% das plataformas de streaming valiam-se da versão, ante 43% de portais de notícias e 55% de mídias sociais.

Não é, porém, a baixa adesão ao IPv6 entre provedores de conteúdo o principal fator a influenciar a qualidade das conexões dos usuários finais. Segundo o artigo técnico mencionado acima, enquanto smartphones têm grande adesão ao novo protocolo, parte significativa dos demais dispositivos que se conectam à web usados no país, principalmente as smart tvs, operava apenas em IPv4.

Sendo que muitos outros segmentos também estão atrasados e que mesmo a melhor qualidade de conexão proporcionada pelo IPv6 passará desapercebida por parcela relevante de seus clientes, gestores de ISPs podem considerar que a migração não será necessária no curto prazo. Seria uma conclusão equivocada, tanto no que se refere a cenários futuros quanto à realidade existente hoje no mercado.

Uma boa razão para aderir ao novo protocolo é que o regulador de suas atividades tem papel cada vez mais relevante em episódios como o bloqueio do X (ex-Twitter) e das bets irregulares, nos quais operacionalizou decisões de poderes da República.

Embora a inviabilização de acessos a domínios não se relacione com o IPv6, outras ações em que a agência atua de forma semelhante – encaminhando ordens a provedores e fiscalizando seu cumprimento – só podem ser devidamente atendidas pelos que utilizam a nova versão de IP. É o caso decisões judiciais que exigem o fornecimento de dados de navegação de internautas alvos de investigações – que, quando relacionadas a sequestros e outros crimes, podem partir diretamente de Polícia Civil e PF e, mesmo sem amparo da Justiça, devem ser atendidas.

A Anatel tem demandado novos poderes para continuar atuando nessa seara. Mesmo que não seja atendida – embora seu desempenho dê força a esse tipo de pleito –, poderá valer-se de seu papel de regulador, para aprimorar seu desempenho em episódios semelhantes. Dessa forma, com o plano de estímulo à migração em curso, não é improvável que ISPs vejam-se, em breve, diante de cobranças da autarquia quanto à individualização de logs de IPs, o que é inviabilizado pelo IPv4. Situações assim poderão implicar na realização de adequações emergenciais por provedores.

Ainda que possível, esse tipo de cobrança partir do regulador no curto prazo é uma suposição. Um motivo concreto para ISPs buscarem o IPv6 é a indisponibilidade de seu antecessor em América Latina e Caribe, observada desde 2020. IPs da versão antiga ainda podem ser adquiridos quando seus antigos detentores os recolocam no mercado. No primeiro semestre 2023, dizia o NIC.br, 1.006 empresas aguardavam tal oportunidade. Para os que apresentaram pedidos naquela época, a expectativa era de que fossem contemplados em 2029.

Por ora, para a maioria dos PPPs, a permanência no IPv4 integra um grupo de fatores que, se no passado, possibilitou sua expansão, ainda viabiliza suas atividades. Com o uso do CGNAT, cada IPv4 pode ser usado para o fornecimento de milhares de conexões, o que reduz custos, algo fundamental para PMEs que atuam em um mercado em que, com a demanda por novos acessos quase que estagnada, há concorrência e concentração crescentes.

Mas não será possível atuar desta forma por muito mais tempo, ainda que não se saiba até quando. Para os que protelam tal adequação enquanto o fim desse “benefício” não chega, a permanência no IPv4 gera perdas?

Sim. Uma delas resulta da limitação de seu mercado e a consequente perda de potenciais clientes para a concorrência. Há anos, o país passa por uma descentralização econômica, processo que foi acelerado pela pandemia. Indústrias, por exemplo, deslocaram-se de grandes centros para regiões onde são provedores regionais que fornecem acesso à web. Muitos desses consumidores empregam a Internet das Coisas em sua produção e, para tanto, necessitam de conexões individualizadas e baixa latência – ambos proporcionadas pelo IPv6 e não pelo seu antecessor.

O avanço brasileiro na adoção do IPV6 deveu-se, de fato, às grandes operadoras – incluída aí a Algar, que, embora não se caracterize como uma detentora de Poder de Mercado Significativo, também é uma concessionária de telefonia. Estas, ainda no início do ano, tinham quase que a totalidade de suas conexões fixas e móveis operando sobre o novo protocolo. Demais segmentos têm longos caminhos a percorrer até concluírem essa transformação que, embora não pareça tão urgente, deve se dar o quanto antes para que o padrão da Internet não se deteriore e acabe por comprometer a competitividade do país.

É por isso que os PPPs, responsáveis por 54% dos acessos fixos, serão priorizados pela Anatel. Diferentemente de outros agentes do mercado, a agência reconhece a importância dessas empresas. Mesmo que esteja elevando o rigor da fiscalização destinada ao segmento, ela reconhece suas dificuldades e busca estabelecer regras que possibilitem sua existência. Com base nesse comportamento, pode-se esperar que o plano para a migração para o IPv6 contenha, mais que imposições, estímulos.

(*) Fabio Vianna Coelho é sócio da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs, e do RadiusNet, software de gestão para provedores.

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