Atualizando a rota: como Brasil e México incentivam o acesso a serviços financeiros?
Nos últimos anos, startups têm avançado de forma intensa no Brasil, e na América Latina, preenchendo brechas importantes conectadas com a inclusão financeira. Em um continente no qual boa parte da população segue por anos sem ter acesso a serviços financeiros robustos e completos, essas empresas trazem não só ferramentas digitais mais seguras e eficientes como também as desenvolvem.
Dessa forma, acabam ajudando na bancarização de uma população que antes não tinha conhecimento, confiança ou nem mesmo a possibilidade de ter sua própria conta ou cartões – e, ainda, daquelas pessoas que passavam por uma série de burocracias que as prendiam em um processo lento, estressante e ineficiente.
Recentemente, estive no México e pude ver pessoas trabalhando e se esforçando para provocar as melhorias necessárias no país, para alcançarem um sistema de pagamento mais seguro e mais resiliente às fraudes, o que tem sido uma preocupação constante para os mexicanos, assim como no Brasil. Um dos principais desafios no país tem sido o nível de bancarização.
De acordo com a Associação de Bancos do México (ABM), 53% dos adultos não tinham conta bancária até 2020. Nesse cenário, a possibilidade de oferecer diferentes métodos de pagamento adaptados às necessidades dos consumidores mexicanos, incluindo aqueles que permitem a utilização de dinheiro vivo, tem sido um fator chave para o crescimento de algumas empresas – muito parecido com o que o Brasil vivenciava antes da digitalização e da adesão dos bancos ao Open Finance.
Com uma penetração de smartphones na casa dos 86%, o Brasil se tornou um polo interessante na América Latina quando os temas são infraestrutura de pagamentos cross-border, pagamentos instantâneos e Open Banking, segundo o mapeamento global feito pelo fundo de venture capital norte-americano Andreessen Horowitz (a16z).
Já no México, no entanto, com apenas 50% dos mexicanos bancarizados, ainda que 71% tenham acesso a smartphones, a penetração do cartão de crédito chega apenas a 10%. Para incrementar os pagamentos, o levantamento do Banco do México (o BC do país) lançou recentemente o Dinero Móvil (DiMo), funcionalidade de transferências móveis que permite que pequenos negócios recebam recursos apenas com o número de celular.
Na mesma linha, a edição do relatório Technology Vision, da consultoria Accenture, aponta que a identidade digital é uma das quatro principais tendências para o futuro dos negócios. De acordo com o Banco Mundial, no mundo, são cerca de 1 bilhão de pessoas que ainda não possuem qualquer forma de identificação. Só na América Latina, apenas 33,8 milhões estão identificadas. Para se ter uma ideia, no México, cerca de 3% da população total já é considerada “fantasma” no país por não possuir quaisquer documentos de identificação, enquanto no Brasil, esse número chega a 7% da população total.
Essas pessoas não possuem registro de nome, sobrenome, nacionalidade ou filiação, que são os dados básicos para que elas comprovem quem são e sejam consideradas cidadãs para ter acesso à saúde e educação, por exemplo. Lembrando que essas mesmas pessoas, mesmo sem documentos, podem ter acesso a um celular e com isso criar endereço de e-mail, perfis em redes sociais, entre outros. Isso mostra o potencial da internet em distribuir acesso.
Com uma identidade digital de confiança, temos um caminho para impulsionar o desenvolvimento dos negócios e da própria economia local, além de ampliar o acesso dos cidadãos a produtos e serviços e gerar mais valor para todo o país, nos transformando em cidadãos globais.
Graças ao potencial de inovação, além do Brasil, outras milhares de empresas da América Latina já conseguem prestar serviços financeiros em novos territórios, operando com abertura de contas, cartões e acesso ao crédito para pessoas que, nos sistemas tradicionais, permaneceram excluídas. Estas empresas também mapeiam oportunidades de mercado para o desenvolvimento de tecnologias que resolvam as burocracias e perda de tempo, como a própria identidade digital.
Em se tratando de identidade digital, essencial para a construção da relação de confiança entre pessoas e empresas na Internet, a América Latina evolui. No Brasil, em algumas situações do cotidiano, usamos a biometria como parte integrante da identidade digital para simplificar e eliminar a burocracia e aumentar a segurança das transações. Já o México, possui diferentes documentos, como por exemplo o Código Exclusivo de Registro de População (CURP).
Esse registro é uma combinação de letras e números atribuídos pelo Conselho Nacional de População a cada pessoa nascida no México ou a um estrangeiro em posse de uma autorização de residência. O CURP ainda não se transformou em uma ID nacional universal, e por isso, o país está buscando a modernização dos sistemas para oferecer mais oportunidades para as pessoas não só nos meios de pagamento, mas para garantir a cidadania como um todo.
Ainda em terras mexicanas, pude analisar que o mercado de crédito depende bastante do setor de antifraude, já que as avaliações são todas feitas com ajuda de sistemas automatizados – percebi que a consistência dos dados e a robustez são parte importante do negócio do mercado de crédito. Assim, nesse fluxo, entra a importância da integridade dos dados, de proporcionar mais visibilidade e transparência das informações aos cidadãos e da construção de uma identidade digital para facilitar o acesso a bens e serviços, como o próprio mercado de crédito, e ainda para garantir mais segurança e menos fraudes para a população.
Para se ter ideia, o mercado global de identidade digital foi estimado em US$ 16,6 bilhões em 2021, e a expectativa é de que represente US$ 40,44 bilhões até 2027, conforme um estudo da ResearchAndMarkets.com. A utilização da identidade digital em diversos setores será a chave para o desenvolvimento de mais oportunidades de integração na América Latina e para o crescimento econômico.
Acredito na criação de um ecossistema onde as pessoas possam provar quem são com menos fricção e mais segurança e privacidade – em um futuro mais próximo do que imaginamos. As oportunidades são enormes e o poder da mudança está ao nosso alcance. Basta seguirmos na rota da inovação.
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*Os dados fornecidos voluntariamente pelos usuários, muitas vezes referidos como “dados primários”, devem ser reconhecidos como privados, não abertos para uso irrestrito. É importante esclarecer que Open Finance não equivale a dados abertos pessoais. Em vez disso, significa a interoperabilidade entre instituições financeiras, aumentando o leque de opções do usuário. Saiba mais sobre privacidade, segurança e proteção de dados pessoais através da aula magna da autora, pelo link: https://www.plataformacidadaniadigital.com.br/
*Yasodara Cordova é ativista de privacidade na Internet há mais de 15 anos, tendo trabalhado no governo, academia, organizações internacionais e no setor privado. Foi a primeira mulher a fundar um hackerspace no país, sendo co-founder do Calango Hackerspace, de Brasília. Atualmente, é pesquisadora-chefe em Privacidade na Unico, empresa brasileira de identidade digital. Foi MC/MPA Ford Foundation Mason Fellow no Ash Center para Governança Democrática e Inovação da Harvard University (EUA). Ela também foi fellow do Berkman Klein Center para Internet e Sociedade e do Belfer Center, ambos na Universidade de Harvard, para então ser parte da força de inovação digital no Banco Mundial. Depois disso, ela foi membro do Conselho Consultivo de Segurança da TikTok no Brasil.